segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Ligação de réveillon

-Alô? ... É você Elisângela? ... Ai minha filha! Graças a Deus! Você não sabe a aflição que a gente estava! Você saiu no Natal pra ir à praia e não deu mais notícias! Seu pai estava quase chamando a polícia e... Onde é que você está? ... Como? ... No aeroporto? ... Fazendo o que no aeroporto Elisângela? ... Indo pra sua casa nova?! ... Que casa nova? ... Não brinca com isso Elisângela! Eu já estou velha. Meu coração não agüenta mais esse tipo de brincadeira! ... Como assim está falando sério? ... Conheceu um cara? ... Amor à primeira vista? ... Você casou Elisângela? ... Não brinque com isso minha filha! ... Falando sério porra nenhuma!! Você não pode estar falando sério! ... Minha filha... Ô minha filha! Como é que você me faz isso? Todos esses anos de educação pra você me aprontar uma dessas! Eu vou morrer de desgosto Elisângela!! ... Vá pra Puta que pariu com esse papinho de “ano novo, vida nova”! Vida nova é o cacete! ... Fica quieta menina, não fale abobrinha! ... Você vai voltar pra casa agora, ou eu mando a polícia ir aí prender esse cretino que te está te iludindo! ... Bom moço? Ele casa contigo em menos de uma semana, te seqüestra, está te levando pra morar em algum barraco por aí sem nem sequer vir aqui pra pedir sua mão e você quer que eu engula que ele é um bom moço? ... Tavinho é o nome dele, é? Ele está aí perto? ... Então fala pro Tavinho que se ele não te trazer de volta agora, a coisa vai ficar preta pro lado dele! ... Deixa de ser burra Elisângela! Como é que ele vai te sustentar? Garanto que ele não tem nem onde cair morto. Aliás, nem você tem! Você nunca lavou uma peça de roupa na sua vida Elisângela! Como é que você vai querer ser dona de casa agora? ... Quem não está entendendo a situação é você! Você é uma burra, uma tonta! Esse Zé Mané vai te passar pra trás e te botar pra trabalhar! ... Como é que você não quer que eu fique nervosa? Você tem idéia da besteira que você está cometendo Elisângela? ... Rapaz direito é o cacete! Se ele tivesse um pingo de caráter tinha aparecido aqui antes pra pedir tua mão em namoro. Casamento então, ele só pediria depois de um bom tempo. Mas é claro: ele só faria isso se ele não fosse um picareta que ilude moças tontas que nem você! Bem que dizem que Deus dá peito grande ou cérebro, nunca os dois! ... Não deu pra esperar? Porque, hein? Por acaso o cartório ia explodir? O Padre ia ser excomungado? Como é que não dava pra esperar pra se casar então menina de Deus? ... Nem tente vir me explicar! Isso não se justifica por nada nesse mundo e... Como? ... Herança? ... Pai falecido dono de multinacional? ... Milionário? ... Comunhão de bens? ... Morar em Paris? ... Ô minha filha! ... Tadinho do Tavinho! ... É claro que agora eu entendo a situação! ... Você está certa. Amor sincero assim a gente não pode desprezar! ... Imagina, nem precisa se preocupar com seu pai. Eu explico tudo pra ele! ...Vai com Deus Elisângela! ... E por favor, cuida bem do Tavinho! Essas viagens intercontinentais devem cansar bastante! Um rapaz direito e sério assim a gente não encontra todo dia! ... Está quase se atrasando? Então corre filha! Você não pode perder esse vôo por nada nesse mundo! ... Feliz ano Novo pra você também minha filha amada! Pra você e pro Tavinho! ... E mande noticias assim que chegar lá, ok? ... Mamãe te ama minha princesa! ... Beijos!

quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Conto rápido pós Natal

A Maristela tinha acordado cedo pra arrumar a casa após os “festejos” natalinos da noite anterior. Depois de anos de insistência, a família finalmente tinha aceitado passar a ceia de Natal em sua casa. Para não fazer feio, ela caprichou nos preparativos. Muita comida, bebida à vontade e uma limpeza impecável estavam no pacote de melhorias implementadas na casa durante a semana.

Estava tudo perfeito. Tudo mesmo. Cada detalhe tinha sido milimetricamente checado por ela. Queria ver suas irmãs, famosas por suas críticas vorazes, morrendo de inveja. Nada poderia dar errado. Mas deu.

Maristela não contava com um detalhe: seu esposo, o Farias.

Depois de ter enchido a cara de cerveja e caipirinha, o dono da casa protagonizou momentos não muito agradáveis: passou a mão na bunda da sogra, quebrou o carrinho de controle remoto recém ganho pelo sobrinho, chamou o Almeidinha (primo depressivo da Maristela, recém saído do hospital após tentativa de suicídio) de “viadinho covarde e insignificante”, e, naquele que seria conhecido como o grande momento da noite, vomitou sobre a mesa de jantar minutos antes da ceia acontecer, inutilizando boa parte dos alimentos postos sobre a toalha de seda branca que tinha sido herdada pela família de sua esposa.

O estrago foi tão grande, que boa parte dos presentes preferiu voltar para casa sem comer. No fim das contas, o evento natalino tinha sido um total fracasso. A Maristela, furiosa, jurou que diria poucas e boas para o Farias assim que ele estivesse são o bastante para tomar uma surra.

No dia seguinte, o Farias acordou tarde, com o barulho da Maristela limpando a casa com o aspirador de pó. Mesmo não lembrando de praticamente nada do que tinha acontecido, algo lhe dizia que ele não tinha sido um bom anfitrião na noite anterior.

Foi só passar pela sala, para perceber a cara de maníaca homicida da esposa. Ficou em silêncio. Sabia que se abrisse a boca naquele momento, provavelmente não fecharia ela tão cedo. A Maristela se segurava para não voar em seu pescoço, mas ficou quieta também. Iria segurar sua fúria o máximo possível.

O Farias, para tentar fazer um agrado, resolveu colaborar com a faxina. Muitos dos pratos da festa (aqueles que não tinham sido atingidos por ele), ainda estavam encima da mesa. Resolveu guarda-los. De quebra, tentou fazer o primeiro contato verbal com a esposa.

-Amor... Sobrou bastante comida aqui. Onde é que eu enfio esse peru?

A Maristela parou, pensou, refletiu bastante, mas achou melhor não dar a sugestão que lhe veio à mente de onde o Farias deveria “enfiar o peru”. Apesar dos pesares, aquela ainda era uma época natalina. Tudo pela paz.

-Na geladeira Farias... Põe na geladeira.

Pois é. O amor é lindo.

Comentário inútil do blogueiro

PQP! Um dia eu ainda eu ainda vou dar uma festa de Natal para poder escolher a trilha sonora.

Alguém sabe o que é cear ouvindo Rick e Renner, César Menotti e Fabiano, Calypso e outros fenômenos musicais do gênero?

Como diria aquela velha canção do Milton Nascimento, trilha de uma novela antiga: "Irmão, é preciso coragem..."

Ainda bem que não tocou NX Zero, senão... bem, melhor nem pensar nas conseqüências.

Agora voltamos com nossa programação normal.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Espirito natalino

Anteontem tive a brilhante idéia de ir ao shopping procurar algumas bugigangas que precisava comprar já fazia um bom tempo. Que burrada. O que eu observei foi um cenário parecido com o de uma praça de guerra, da qual eu era um dos alvos em potencial. Resultado da empreitada: tomei três pisões no pé, um chute (involuntário, mas não menos nocivo) na canela e a frase mais humanitária que ouvi foi um “Vá se foder seu bosta! Não olha por onde anda não?”

Não sei se sou só eu (santa assonância), mas acho que o Natal mudou radicalmente nos últimos anos. Mudou pra pior. E olha que o maldito especial de fim de ano da Xuxa passa todo ano.

É bem verdade que esse espírito capitalista tão comum atualmente sempre existiu: não é de hoje que as pessoas fazem do dia 25 de dezembro um ótimo pretexto pra torrar as economias e encher a cara. O que me assusta, é que esse sentimento nunca esteve tão aflorado na mente das pessoas.

Antigamente existia um mínimo de cerimonial em preparação para a festa, todo um processo de reflexão e autoanálise. Hoje em dia, parece que toda essa conduta foi classificada como atitude supérflua. O que importa é o presente debaixo da árvore e a cerveja gelada encima da mesa. O resto é o resto.

Crenças à parte, o Natal é uma época propícia pra gente refletir à respeito de toda a nossa existência e de nossa conduta com relação às pessoas que nos cercam. Será que somos bons filhos, bons pais, boas pessoas? Foi assim que eu aprendi a fazer e é assim que eu pretendo agir por muito tempo. Não custa nada parar um pouquinho pra pensar no assunto. Experimente.

Outra coisa que me irrita profundamente é observar que esse maldito materialismo está infestando a mente das crianças. Antigamente, qualquer lembrancinha, por mais simplória e simbólica que fosse, era recebida com um sentimento de satisfação enorme. Felizes eram os tempos em que um carrinho sem controle remoto já era considerado um baita de um presente. Hoje em dia é capaz de algum garoto, ao ganhar uma bola de capotão (será que ainda existe?), perguntar “onde é que se coloca a pilha pra ela funcionar?”.

Enfim: chega desta reflexão cretina e pedante.

Obrigado a todos os amigos que se lembraram de mim nesta data mandando e-mails, mensagens e telefonemas desejando um feliz Natal. A recíproca é verdadeira.

Boas festas.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Mundo pequeno

Me lembro que disse certa vez aqui nesta espelunca que Deus tinha um senso de humor bastante peculiar. O que eu não esperava era que ele levasse a piada a sério e demonstrasse como eu de fato estava certo.

Recebi ontem à tarde um comentário de um leitor deste Blog chamado Paulo Moreira Neto. Até aí, tudo bem. O problema é que este gentil senhor é homônimo (eu seja, tem exatamente o mesmo nome) de um dos personagens que citei em uma de minhas histórias datada de abril, chamada “O Beijo”. Até aí, tudo bem também. O problema é que eu atribuí um apelido não muito ortodoxo para o personagem “xará” deste leitor: Zorba. Educadamente, ele me pediu para esclarecer que o Paulo da crônica não é ele, já que sua esposa não está acreditando que o personagem em questão não tem nada a ver com a sua pessoa.

Ok, vamos por partes:

Lembro que a idéia desta “crônica” me surgiu ao acaso. Tinha lido algumas matérias na internet falando sobre o famigerado “dia do beijo”, data comemorativa que tinha acontecido durante aquela semana. Para não perder o embalo, resolvi redigir alguma crônica sacana que aproveitasse o gancho da data.

A história é fictícia. E quem já leu este blog algumas vezes sabe que eu tenho fetiche narrativo por casais discutindo, o que de certa forma justifica o formato da crônica. Todos os textos marcados com a palavra chave “desventuras” tem personagens falsos que foram criados pela mente doentia deste aprendiz de blogueiro que vos fala. Ou seja: o Paulo Moreira Neto em questão foi apenas uma coincidência. Aliás, nem sei bem o porquê da escolha do nome. Foi a primeira idéia que me surgiu. Não costumo perder muito tempo pensando neste tipo de detalhe. Aprendi que é melhor repensar esta conduta. Na próxima vou checar no Google!

Algumas das histórias foram sim inspiradas em alguma situação que presenciei, mas nesses casos, sempre faço questão de mudar o nome dos personagens envolvidos. Queimar o filme de alguém que eu conheço (e de quem eu nunca ouvi falar), é a última coisa que eu quero.

Quem ler a história vai sacar que nas circunstâncias da narrativa, só conseguiria ter um efeito cômico (sim, eu tento fazer humor) se conseguisse causar algum tipo de impacto ao atribuir um apelido para o personagem Paulo. Zorba foi o que me veio à mente.

Esse, aliás, era o pseudônimo de um amigo de um amigo meu. Zorba. Ficava me perguntando o que leva um sujeito a ser chamado assim. Admito que nunca quis descobrir.

O fato é que é um nome inusitado, diferente... engraçado. E a crônica até que ficou bacana. E olha que eu não gosto da maioria das coisas que coloco aqui.

Trocando em miúdos: tudo não passou de uma grande, e se me permite dizer Paulo, engraçada coincidência. Quem diria que eu conseguiria achar um Paulo Moreira Neto dando sopa por aí. Esse mundo é realmente do tamanho de um ovo.

Enfim: faço votos de um bom fim de ano pra você e pra sua esposa. E me desculpe por qualquer possível inconveniente.

É isso pessoal.

Um beijo no cérebro de quem por ventura passar por aqui.

Até breve!

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

A volta dos que não foram

Maldito Blogger! Sabem há quanto tempo eu estou tentando atualizar esta porcaria?

Tudo começou num belo dia em que decidi escrever mais uma de minhas abobrinhas. Estava deprimido por ter comido demais e enchido a cara de tubaína, e decidi que precisava afogar minhas mágoas fazendo alguém perder tempo lendo minhas imbecilidades. Arrumei tudo certinho, corrigi as maiores atrocidades à língua portuguesa que por ventura tinha cometido no meio da digitação, e quando clico no botão de publicar... nada.

Achei que era um erro momentâneo. Algumas horas depois tentei de volta, inutilmente. E assim foi, sucessivamente, durante alguns dias. Depois foram semanas. Quando vi, já tinha se passado um mês e pouco. Larguei os bets!

Cansado de apanhar, consultei um amigo entendido nesses assuntos de html que felizmente descobriu qual era o tal do problema. Pronto. Aqui estou eu de volta.

Isso rende até um devaneio: a mania que a gente tem de não depender dos outros. Parece um tema promissor. Vou anotar isso em algum lugar.

O ponto positivo destas férias forçadas é que tive que arranjar meios alternativos de matar minhas horas vagas, e com isso descobri um bocado de coisas novas. O ponto negativo é que certamente um monte de gente que passava por aqui acabou deixando de me visitar (acreditem: eu já tinha mais de quatro leitores. E olha que eu não estou contado nem meu pai, nem minha mãe) por achar que eu tinha abandonado minhas pretensões blogueiras. Além disso, perdi um bocado de horas vagas que tive à disposição para exercer mudanças e melhorias que vinha planejando já fazia um bom tempo. Agora, só no ano que vem.

O problema é que eu fiquei meio sem assunto. Quer dizer: assuntos não faltam. O que falta é uma idéia fixa que me chute o útero e peça pra vir ao mundo (putz... Que metáfora desprezível).

Enfim: vou refletir à respeito e voltar em breve. A menos que, é claro, esse blog volte a me sacanear.


P.S. (1): Ah sim... descobri também que os comentários anônimos no blog ficaram bloqueados por um bom tempo. Ou seja: quem não tinha uma conta do blogger, e por ventura quisesse fazer um comentário, elogio ou desejasse xingar alguma das gerações da minha família, acabou não conseguindo. O Beto (o amigo que me ajudou a concertar o blog) jurou que isso não vai mais acontecer. Se o problema continuar me avisem.

P.S. (2): Cena que presenciei hoje no ônibus, voltando pra casa: pai careta e filho pré-adolescente discutindo sobre presente natalino antecipado.


-Pô pai... Eu tinha pedido um MP3!

-E não foi o que eu te dei?

-Não! Isso daqui é um radinho de pilha.

-A moça que me vendeu falou que dava na mesma. Que esse tal de MP3 é igual um rádio, só que mais caro.

-Mas tem muita diferença.

-Que diferença?

-Dá pra baixar música da Internet pra tocar aqui.

-Você nem tem computador.

-Ahhhhh pai...

-Esse radinho é bem mais completo que MP3. Tem até toca fita. E quem saber? Só não comprei ele por um motivo.

-Qual?

-É que a moça da loja disse que o MP3 só tem FM e esse radinho aqui tem AM e FM.

-E pra que é eu vou querer ouvir AM????

-Ora... E como é que você acha que eu ia conseguir ouvir meus joguinhos de futebol? Não ouço esporte em FM de jeito nenhum!


Eu não sei quanto a vocês, mas eu adoro essa época de Natal.

domingo, 28 de outubro de 2007

Inocência

Filho de seis anos conversando com seus pais:

-Como é que vocês me tiveram?

-Como assim?

-Como é que vocês me tiveram? Quando é que vocês resolveram que queriam que eu nascesse?

-Bem... Na verdade você não foi planejado!

-Júlio!!

-O que foi?

-Isso lá é coisa que se diga pra criança?

-Só falei a verdade, ué?!

-Então vocês não queriam que eu tivesse nascido?

-É claro que queríamos, meu filho. Seu pai é que não soube te explicar direito.

-Mas é a verdade. Eu só estava...

-Ssshhh! Quieto!

-Vocês queriam, então?

-Lógico!

-Bem... Querer a gente não queria, mas aconteceu e foi algo muito bom pra gente.

-Júlio!!

-O que foi?

A Marisa pediu licença pro menino e foi dar uma bronca no esposo num canto da sala.

-Pare com isso! Vai confundir o menino. É claro que a gente queria o Pedrinho!

-Querer sim... Mas não naquela época. Vamos ser francos. A gente não esperava que você ficasse grávida. Nem namorado a gente era. Mas foi ótimo, porque isso uniu a gente. À força, mas uniu.

-Mas ele não precisa saber de todos esses detalhes. Não agora. Ele é muito inocente. Não entende direito como são estas relações afetivas entre homens e mulheres.

-Relações afetivas? Eu achei que a gente só tinha transado à toa e...

-Engraçadinho. Você entendeu muito bem o que eu quis dizer!

Minutos depois, o filho continuou a sabatina.

-Então vocês realmente não queriam que eu tivesse nascido?

-Não naquele momento!

-Chega Júlio. Não bota minhoca na cabeça do garoto!

-Mas eu só estou falando a verdade. Quero ser franco com o Pedrinho. Não é isso que você quer filho? Que a gente sempre fale a verdade para você?

O garoto balançou a cabeça afirmativamente, com a cara mais inocente do mundo. A Marisa não concordou.

-Não dá bola para o que seu pai está dizendo filho. A gente queria ter você sim. Não importa o que seu pai diga, a verdade é que nós queríamos.

O Júlio percebeu que discutir era inútil. Resolveu fazer coro com a esposa só para tentar dar um ponto final ao assunto.

-Sim filho: a gente queria tê-lo. Aconteceu cedo, mas foi ótimo. Você foi o maior presente que Deus já nos deu.

-Entendi. Mas porque aconteceu cedo?

-Como assim?

-Vocês queriam me ter. Mas ainda era muito cedo. Então, como é que aconteceu? O que foi que vocês fizeram pra que eu tivesse nascido tão cedo?

O casal se entreolhou tentando achar uma desculpa plausível. A resposta correta, teria que passar obrigatoriamente por detalhes de uma noitada mal planejada que acabou com uma gravidez precoce.

-Olha: Você quer saber mesmo a verdade? – Perguntou cuidadosamente a Marisa.

-Quero sim!

-Então tá: a verdade é que a gente se amava tanto, mas tanto, que você não esperou e resolveu nascer cedo!

O Júlio entrou na onda:

-Isso aí filho: eu e sua mãe gostávamos tanto um do outro, tínhamos tanto amor sobrando, que você resolveu vir bem rápido pra aproveitar tudo isso!

-Isso aí! Entendeu filho?

O garoto refletiu nas respostas durante algum tempo. Cara de pensativo.

-Acho que sim.

Missão cumprida. A Marisa e o Júlio tinham conseguido contornar a difícil situação. Existiam certos detalhes que deveriam ser poupados, sobretudo para um garoto naquela idade. A inocência do Pedrinho estava preservada.

-Mas vocês têm certeza mesmo que foi por isso que eu nasci?

-Temos sim, por quê?

-É que eu achei que vocês não tinham usado camisinha.

O silencio constrangedor que tomou conta da sala só foi cortado quando o Pedrinho declarou estar cansado e resolveu ir dormir. Algum tempo depois, já na cama, a Marisa estava sentada, imóvel, com cara de perplexa, tentando entender o que tinha acabado de presenciar. O Júlio, sem esconder um sorrisinho de contentamento com a sacada do garoto, desejou boa noite à esposa e foi dormir. Antes de adormecer ainda comentou:

-E depois ainda dizem que TV a cabo não ensina nada que preste para as crianças...

Diário de bordo

Sim, eu estou vivo. Os motivos da ausência? Falta de tempo, trabalhos de sobra e outros probleminhas de ordem particular. Em resumo: estava muito, mas muito atarefado.

O consolo? Dentro de algumas semanas terei mais tempo livre. Aí, quem sabe, eu consiga criar alguma coisa mais criativa e botar o papo em dia com meus parceiros e amigos da blogosfera.

Esperança não falta.

Ah sim: essa semana Curitiba vai receber o show de uma das minhas bandas favoritas, os Arctic Monkeys (já comentei deles aqui no blog), que vão participar do Tim Festival. Como terei compromisso no dia (entenda-se por aula na faculdade), e não poderei ir (entenda-se por falta de dinheiro) só me resta de consolo ouvir um dos seus novos e últimos sucessos em casa.

Aproveitem o embalo e ouçam também a canção “Fluorescent Adolescent”, single do mais recente álbum da banda chamado “Favourite Worst Nightmare”.

Divirtam-se.

Até qualquer dia desses.

Um beijo no cérebro.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Matosinho

A cena: pai aposentado e filho marmanjo discutindo sobre futebol na mesa de jantar. Na poltrona ao lado, a dona Célia, mãe do marmanjo e esposa do aposentado, tenta assistir mais um capítulo de sua novela.

-O Matosinho é seleção!

-Pára com isso. Vê lá se isso é coisa que se diga. O Matosinho?

-Claro... Me diz se tem alguém com mais vontade do que ele ali na “meiuca”?

-Vontade é uma coisa. Mas o cara não acerta um passe. Até eu consigo tocar melhor na bola do que ele.

-Não exagera!

-Não estou exagerando. Pelo contrário: o Matosinho chora de ruim.

-Vocês podiam falar um pouquinho mais baixo?

-Agora não querida. O papo aqui é sério. Estou tentando ensinar alguma coisa pra esse nosso filho.

-Mas vocês estão fazendo muito barulho!

-Querida: não sei se você sabe, mas nunca se interrompe um debate sobre futebol. Ainda mais quando ele chega num nível assim, de intensa discordância.

-Isso aí, mãe! Fica na sua que agora o papo é pra homem!

-Ah, é assim? Pois fiquem sabendo que...

-Volta pra sua novela amor, volta... A gente já dá atenção pra você.

A dona Célia ficou indignada, mas, para evitar briga, se calou.

-Pois então: o Matosinho pode não acertar um passe, mas o cara é um poço de raça. Lembra daquele lance no jogo passado em que ele dividiu a bola com o beque e por pouco não saiu sozinho na cara do goleiro?

-Pois é. Falou tudo: quase ganhou... Por pouco. Não existe um “quase grande jogador”. Ou o cara é bom, ou não é.

-Mas ele é bom.

-Não é não. O cara é grosso de bola.

-Você não tem argumento.

-Ah sim... O seu argumento é ótimo! O cara “quase conseguiu” ganhar uma bola no jogo passado. Só por isso ele merece ir pra seleção. Imagine então se ele tivesse conseguido desarmar o cara. Estaria no nível do Beckenbauer.

-Eu não disse isso!

-Como não? Você acabou de falar!

-Vocês podiam falar um pouco mais bai...

-Sssshhhh... Eu citei uma ocasião do jogo passado. Mas não foi só esse lance, isso é óbvio!

-Me fale de outra grande jogada dele, então.

-Ahhh... Têm tantas!

-Me diz uma só.

-Não lembro.

-Tá vendo? O cara não presta!

-Mas isso não quer dizer nada. Só porque eu não me lembre de outro lance, não é motivo pra você dizer que ele não presta.

-Me poupe, né pai?

-E o que você entende de futebol afinal de contas, hein? Quantos grandes jogadores você viu por aí?

-Você pergunta antes ou depois do Matosinho? Sim, porque do jeito que você fala, a história do futebol deveria ser dividida em AM e DM: "Antes de Matosinho" e "Depois de Matosinho". Para você, o cara está no nível de um craque.

-Já disse que ele não é craque. Só o acho um grande jogador, de muita raça, muita dedicação.

-Ele é um grande “pereba”, isso sim.

-Mas você ainda não me respondeu: quantos grandes craques você viu jogar para estar tão cheio de certeza no que fala?

-Ah tá! Agora você vai começar com esse joguinho cretino de insinuar que eu não sei do que estou falando só porque sou mais novo que você!

-E eu não tenho razão?

-Claro que não. Se fosse assim, o técnico da seleção teria que ter obrigatoriamente mais que 90 anos.

-Chega. Não adianta discutir. Você não entende nada de futebol.

-Se eu não entendo, você também não entende.

-Cresça meu filho... Tem muito o que aprender ainda.

-Cresça você pai! Precisa estudar um pouco sobre futebol. Seus conceitos estão todos defasados.

-Hunf!

-Hunf!

A discussão parecia ter chegado ao fim. A dona Célia, satisfeita, finalmente estava conseguindo ouvir com clareza o que os personagens da novela diziam. Pai e filho estavam ali, emburrados, inconformados com a teimosia alheia.

A situação parecia ter chegado num desfecho, até que, num gesto claro de provocação à figura da dona Célia, seu filho alfinetou:

-Pai! Para terminar o assunto: porque a gente não pede a opinião de quem realmente entende de futebol nesta casa? Mãe?! O que a senhora acha do Matosinho, hein?

O pai gargalhou com a dose concentrada de ironia do filho. A dona Célia, que eles soubessem, jamais tinha assistido a um jogo de futebol na vida. Na cabeça deles, ela mal sabia qual era o objetivo do esporte. Deveria ser daquelas que perguntava “pra que time jogava o homem de preto no meio do gramado”.

Mas a dona Célia parecia ter levado a sério a pergunta. Parou, pensou durante alguns instantes e emendou:

-Depende: o Matosinho, quando joga no meio campo, precisa ser mais acionado. Ele é um jogador limitado tecnicamente, mas tem um bom aproveitamento quando é colocado efetivamente pra jogar. Ele se infiltra bem e tem uma noção de espaço excelente. Além disso, sabe prender a bola na hora certa. Não o acho um jogador brilhante, mas creio que ele pode render bastante quando colocado na função certa. Acho também que pelas características dele, talvez melhorasse jogando como ala direita, chegando à linha de fundo. É bem verdade que o time joga no 4-4-2 e para se fazer isso, a formação teria que mudar pro 3-5-2. De qualquer forma, vejo que valeria a pena se pensar na mudança tática. A equipe provavelmente renderia mais, sobretudo com uma cobertura defensiva bem feita pelos volantes. Isso iria favorecer a liberação ofensiva dos alas, onde, como falei, acho que o Matosinho poderia fazer a diferença.

Boquiabertos. Assim ficaram pai e filho depois de ouvir a opinião da dona Célia.

-O que foi gente? Não concordam?

-Você gosta de futebol?

-Ouço as partidas sempre que posso. Antigamente, eles interrompiam a programação no rádio para transmitir os jogos. Acabei me acostumando e gostando da coisa. Assisto alguns na TV à cabo também. Além disso, sempre leio o caderno de esportes do jornal.

-E porque nunca comentou isso com a gente?

-Sei lá... Vocês nunca perguntaram! Além do mais, homem é muito palpiteiro. Acha que entende muito dessas coisas, quando na verdade mal sabe a diferença entre um sistema de jogo ofensivo e defensivo. Preferi ficar na minha, entendem?

O pai, desconsolado, pediu licença e saiu. O Filho ainda surpreso, também pediu licença, e foi ver o que tinha acontecido, deixando a mãe finalmente livre para desfrutar de sua novela.

-O que houve pai?

-Ah filho... sei lá! A gente passa 30 anos vivendo com uma pessoa e de uma hora para outra descobre que mal a conhece! Isso doi, sabe?

O filho entendeu os motivos da tristeza do pai. Como dormir numa mesma cama com uma esposa que entende mais de futebol do que si próprio? Como sair em lugares públicos sabendo que a qualquer momento a dona Célia poderia pormenorizar o esquema tático vigente na seleção e fazer um discurso em defesa do antigo futebol arte, tomando como exemplo de revolução técnica a criação do "Carrossel Holandês"? E ele também não estava imune. Como contar para os amigos que a própria mãe entendia tanto de novela quanto de esquemas de marcação? Seria humilhação pública na certa.

No dia seguinte, a dona Célia ainda não tinha entendido a súbita mudança de comportamento do marido. O Filho explicou que ele estava chateado, e que era melhor não interferir. Ela até pensou em pedir desculpas, mesmo sem saber bem de quê, mas o jogo já ia começar e ela resolveu deixar o papo com o esposo para mais tarde. Não podia deixar de ouvir seu futebolzinho por nada nesse mundo.

-Chuta Matosinho... Chuta!

sábado, 22 de setembro de 2007

Adjetivos

Essa semana tive a oportunidade de ir assistir a uma apresentação do espetáculo “Alegría”, do mundialmente conhecido Cirque du Soleil. Sim, a palavra correta para o caso é “oportunidade”. Não, eu não ganhei na loteria e não sou milionário. Não que quem tenha condições de pagar um ingresso para o espetáculo (os valores das entradas variam de R$130,00 até R$400,00 aqui em Curitiba) seja necessariamente um capitalista selvagem. Apenas acho que seria uma loucura um universitário bolsista pé-rapado que nem eu, desembolsar tamanha quantia de dinheiro. Pude ir, graças a uma boa ação da empresa que trabalho, que num gesto de incentivo aos funcionários, bancou todos os ingressos.

De qualquer forma, deixo claro que não pretendo contar aqui minhas impressões a respeito do espetáculo. O que me motiva a escrever esse devaneio é outra coisa: fui acusado (injustamente, que fique bem claro) de não ter curtido o circo. O motivo? Minha falta de originalidade na hora de adjetivar o que tinha visto.

***

-Quer dizer então que você foi no Cirque, né José?

-Sim. Fui sim!

-Mas e aí?

-Aí o quê?

-Ora... como é que foi?

Esse é o tipo de pergunta difícil de ser respondida. Não parece, mas é. Pense comigo: como compilar duas horas e meia de espetáculo em uma frase curta ou em uma única palavra, em um único adjetivo? Como conseguir retratar através disso todos os inúmeros fatos que você presenciou e suas impressões a respeito? Eu até que tentei:

-Ah... Foi bom!

Silêncio. O interlocutor fica me encarando, como que esperando o desfecho de meu relato. Eu, fico impávido.

-Bom?

-Sim!

-Como assim?

-Foi bom, ué?! Divertido!

-Cara: você vai ao melhor circo do mundo, e tudo o que tem a dizer é que foi “bom”?

-Sim.

-Ora! Me poupe! “Bom”? Isso lá é adjetivo que se dá a um show desse porte? Seja mais esforçado...

-Tá bom, tá bom!

-E então, como é que foi?

-Muito bom.

-Ahh Zé!

-O que foi?

-Muito bom? Você não gostou, não é?

-Gostei sim. Claro que gostei.

-Então como é que você tem coragem de chamar isso de “muito bom”? Seja criativo.

-Ué? E “muito bom” não serve?

-Serve, mas é pouco. “Bom” é o cirquinho de lona que a cada dois meses monta acampamento lá perto de casa. “Muito bons” são os circos que viajam pelo país. Mas você está falando do Cirque du Soleil. O melhor do mundo. Nem parece que você assistiu!

-Ok, desculpe. Não sabia que isso era errado.

-Errado não é! Mas isso lá é adjetivo que se dê? Francamente, hein José!

-Já pedi desculpas.

-Eu sei. Mas vá lá: prossiga!

-Com o quê?

-Com a descrição, né? O que mais poderia ser?

-Ah ta... Bem... O show tem números muito legais. É tudo muito bonito. Muito bem feito.

-Sei. O que mais?

-Ah... É tudo muito... Muito... Muito bom!

-Você está me sacaneando, né?

-Não! Mas é que a verdade é essa. Eu achei muito bom.

-É o melhor circo do mun...

-Eu sei que é o melhor do mundo, você já falou isso uma dúzia de vezes. Mas é que na minha escala de elogios, “muito bom” é algo muito... Muito bom, sabe?

-Não concordo. Olha, a gente é amigo. Pode abrir o coração. Você não gostou do show, não é?

-Já disse que gostei!

-Não é o que parece.

-E o que interessa para você saber se eu gostei ou não do tal circo? Qual a diferença que isso faz, afinal de contas?

-Esse é o melhor circo do mundo!

-Eu desisto...

-Quer saber? Chega... Continue contando como foi. Como você mesmo disse, não me interessa saber quais suas impressões. Quero os detalhes, só isso. Prometo que não vou interferir.

-Sei. Vou fingir que acredito.

-Pode apostar. A partir de agora, sem interferências. Mas do que você mais gostou afinal de contas?

-Ah... Os malabaristas são ótimos, o número do trapézio é super bonito. Tem umas meninas contorcionistas, um cara que faz acrobacias com fogo... Mas o mais bacana mesmo, foram os palhaços.

-Pára tudo Zé!

-O que foi agora?

-Você vai ao maior circo do mundo e diz que preferiu os palhaços?

-E qual o crime nisso?

-E não é óbvio? Eles têm artistas únicos. Profissionais que fazem acrobacias que mais ninguém no mundo é capaz de realizar. Desafiam os limites do corpo humano. Você assistiu a tudo isso na sua frente, a uns poucos metros, e diz que o que o circo apresentou de melhor foram os palhaços?

-Não disse que foram os melhores. Disse que foram os que eu mais gostei.

-E qual a diferença?

-Tem artistas mais completos no show, isso é fato, mas o número em que eu mais me diverti foi o dos palhaços.

-Não concordo.

-Concordar com o quê, homem de Deus?

-Com esse seu desprezo a um espetáculo tão fabuloso.

-Eu não estou desprezando porra nenhuma!

-Calma... Não se estresse!

-Como é que não vou me estressar se você fica falando um monte de abobrinhas? Quem foi no show fui eu, quem assistiu a tudo fui eu, portanto, só eu tenho o direito de afirmar se o espetáculo foi bom ou não. Eu uso os adjetivos que quiser, e ninguém tem nada a ver com isso, entendeu?

-Mas José: você não está sendo muito ameno nos seus elogios? Pense bem. Esse é o melhor circo do mundo e...

-Quer saber? Chega! Desisto! Juro que tentei agüentar, mas não deu.

-É que você parece muito desanimado. É até natural que alguém que tenha gasto uma nota preta num ingresso, como é o seu caso, acabe se decepcionando um pouco e fique com uma dor na consciência, pensando: “puxa, paguei tão caro e o circo não era isso que eu esperava!”

-Mas eu não paguei nada. Fui de graça.

-De graça?

-Sim. A empresa pagou nossas entradas.

-E você ainda tem coragem de reclamar?

-Como?

-Você está reclamando de um espetáculo que você nem ao menos pagou pra assistir? Que moral você tem pra falar alguma coisa, hein?

-Mas eu não estou reclamam...

-Isso é o cumulo do absurdo, José! Você menospreza um espetáculo desse porte mesmo sem ter desembolsado um centavo para assisti-lo. Como você tem coragem?

-Eu não menosprezei nada e...

-Você é um ingrato, ouviu bem? Um ingrato!

-Mas eu não queria ser ingrato. Desculpe!

-Quer saber José? Chega de conversar com você! Você vai ao melhor espetáculo do mundo, e não valoriza isso. A ingratidão é algo muito feio, sabia? Além do mais, você teve a coragem de dizer que odiou o circo.

-Mas eu disse que era muito bom!

-Tá vendo? É ainda pior! Está mentido! Diz uma coisa que obviamente não condiz com seus gestos. Acha que sou bobo?

-Por favor, me desculpe e...

-Chega! Outro dia a gente se fala. Quem sabe você tenha uma crise de consciência e perceba o gesto de ingratidão que está cometendo. Adeus...

O fulano vira de costas e me deixa ali, tentando me justificar. Eu ainda tento reagir... Em vão:

-Ei! Volta aqui... Era espetacular, ouviu bem? Espetacular!

sábado, 15 de setembro de 2007

Balanço 4

Fazia tempo que eu não aparecia. Tempo mesmo. Nem me lembrava ao certo da última vez que tinha publicado uma postagem. Sendo assim, resolvi aparecer “pessoalmente” aqui dar satisfações de como andam os dias desse dublê de blogueiro. Muita gente me ligou perguntando como eu estava ou como iam as coisas... me senti na obrigação de interromper a seqüência de “crônicas” que escrevi nos últimos tempos, para dar voz a mim mesmo, e contar em que pé anda a vida deste Zé. Chega de ser o narrador onisciente, pelo menos nessa postagem .

Aos interessados digo que está tudo muito bem, obrigado. A vida está numa fase ótima nos mais distintos e fascinantes pontos de vista. Realmente não tenho do que reclamar. Aliás, tenho sim: falta de tempo. Pra variar, ando completamente atarefado, e isso tem me tirado horas preciosas que pretendia utilizar na criação de novos projetos. Bem que Deus poderia pensar naquela minha idéia de criar uma lojinha que vendesse tempo. Enquanto o todo poderoso não analisa a proposta, cabe a mim continuar aprendendo a lidar com essas 24 horas diárias que tenho à minha disposição. É pouco, mas serve.

O blog também está me trazendo bons motivos de felicidade. Muita gente tem me visitado, e sobretudo, muita gente tem lido o que eu escrevo. Redundância? Não. Eu explico: na maioria dos “blogs amadores” (como o meu) que surgem por aí, quase 70% das visitas são oriundas do Google. Geralmente o internauta está procurando alguma informação específica na web, digita algumas palavras chave na busca, e coincidentemente elas batem com alguma das abobrinhas que escrevo por aqui. No meu caso, termos como “aprender a fazer uma poesia” e “contos românticos” (referência ao título desta crônica escrita em fevereiro) são os que mais trazem pessoas até aqui (Um exemplo bem recente é o termo "vergonha nacional", que se colocado no Google nos leva direto para... adivinhem... o site do senado federal). Entretanto, ao perceber que a busca dele não encontrou exatamente um manual virtual de como se fazer poesias, o visitante vai embora sem nem ao menos ler o que está escrito nessa birosca. Tenho percebido que isso está mudando aos poucos. Apesar da enorme maioria de visitantes ainda ser oriunda das buscas do Google, um número razoável de pessoas está passando por aqui de livre e espontânea vontade. Não que eu tenha alguma pretensão de ser famoso, ou de conseguir mais repercussão. Apenas fico contente de saber que tem gente que se identifica com meus devaneios pouco inspirados.

Idéias, como sempre, não me faltam. O que falta, como já disse anteriormente, é tempo útil pra pôr tudo em prática. Parafraseando Ricardo III: “Meu reino por uma hora livre!!”

Não sei se alguém percebeu, mas promovi algumas sutis mudanças visuais por aqui. Exercitei minhas pseudo-habilidades em Photoshop para confeccionar um cabeçalho novo para o blog. Tive outras idéias que não deram tão certo. Estou resistindo, por exemplo, a tentação de colocar elementos em HTML espalhados pela página. Acho que uma das características mais marcantes que quero passar aqui é a simplicidade visual: algo meio quadrado, nostálgico, sem muitos recursos tecnológicos, mas arrumadinho. Estou aberto (no bom sentido, que fique claro) à sugestões. Se alguém tiver alguma idéia de otimização visual para me sugerir, entre em contato. Pago uma tubaína depois como forma de agradecimento.

Ah sim: a todos que possuem, ou vierem a possuir algum ódio reprido em relação a este calhorda que vos fala, deixo aqui um brinde sugerido “carinhosamente” por uma de minhas inventivas amigas. Trata-se de um game on-line no melhor estilo “chute o traseiro deste infeliz”. O legal da história é que você pode personalizar a baixaria e colocar o seu rosto (ou o do seu desafeto) no personagem. Além desse jogo, existem outras versões bem bacanas. Vale a pena dar um conferida, nem que seja pra zoar um amigo seu. Para visitar o site, clique aqui. Para chutar o este blogueiro, é só ir logo aí abaixo.

Obrigado a todos pelo carinho.

Um beijo no cérebro.

Até mais.


domingo, 2 de setembro de 2007

Celular

O Fonseca chegou no trabalho empolgadíssimo:

-Gente... vocês não sabem da última!

-Oi Fonseca! Bom dia pra você também, né?

-Bom dia! Desculpem. É que eu estou tão empolgado que nem ao menos me lembrei de cumprimentá-los!

-É... percebemos! Mas está empolgado com o quê afinal de contas?

-Com isso: meu celular novo! O XVR 7000!

De dentro do bolso, o Fonseca sacou a novidade: um aparelhinho prateado, bonitinho, apenas um pouco maior que a média dos aparelhos celulares convencionais.

-Nossa... legalzinho!

-Legalzinho? Legalzinho??? Você está brincando, né?! Isso daqui é o supra sumo da tecnologia mundial, meu amigo!

-É?

-É sim!

-Não vi nada de diferente nele...

O Fonseca quase se ofendeu. Estavam subestimando a capacidade do seu recém adquirido monstro tecnológico.

-Ok. Vamos aos fatos: Para começar: essa belezinha aqui é feita de titânio. É tão resistente que suportaria um impacto de duas toneladas!

-É?

-Sim... além disso é completamente impermeável. Você pode derramar o que quiser nele: água, álcool, ácido. Pode escolher. Continua funcionando mesmo com temperaturas acima de 400°C e inferiores a -300°C.

-Caramba!

-Mas não é só isso: tem tela sensível ao toque e é acionado através de um código de voz ou com o escaneamento de impressão digital. É praticamente à prova de roubo.

-Puxa vida!

-Tem GPS, rastreamento via satélite, tradutor de voz para cinco idiomas... toca MP3 e MP4 e tem 7 gigas de memória para armazenamento. Som de CD e qualidade de imagem de DVD.

-Vixi!!

-Além disso ele sintoniza as principais TV’s a cabo do mundo. Tem acesso à internet via wireless. Tira fotos com até 7,5 mega pixels e é capaz de gravar até 5 horas de vídeo em excelente resolução.

-Ô loco!

-Também é uma espécie de controle remoto universal. Liga e desliga quase qualquer coisa: da sua TV ao alarme do seu carro.

-Afff...

-Deixe-me ver o que mais... ah sim: tem uma bateria auto-suficiente. Na extensão do aparelho existem fotocélulas que captam a luz solar e a transformam em energia.

-Caraca, maluco!

-Isso sem contar o visual: foi feito por um dos maiores designers do mundo. Seu formato já foi premiado diversas vezes ao redor do planeta.

Durante os minutos seguintes, o Fonseca continuou relatando todas as milhares de qualidades “high-tec” de seu aparelho japonês, sob atentos olhares do resto de seus colegas de escritório.

-É Fonseca... Desculpe! Acho que subestimamos a capacidade do seu aparelhinho!

-Subestimaram sim, mas estão perdoados. Vocês não tem culpa. Não entendem muito de alta tecnologia. Até eu acabo me equivocando de vez em quando com algumas coisas.

-Ele realmente parece ser incrível. Deve ter custado uma nota, imagino.

-Sim. Realmente seu preço é bem alto. Mas, como um legítimo apreciador da boa comunicação, me dei ao luxo de comprá-lo.

Missão cumprida. O Fonseca tinha conseguido impressionar a todos. Pelo menos até aquele momento.

-Bem... mas já que você está de celular novo, trate de passar logo o número pra gente!

-Isso aí Fonseca! Qual é o número do super, mega, hiper XVR 7000?

-Número?

-É Fonseca, o número! Que eu saiba todo celular tem um número!

O Fonseca coçou a cabeça, pensou durante alguns segundos, e chegou à conclusão de que, surpreendentemente, não sabia o número do próprio celular. Isso se o celular tivesse um número. Pelo que tinha lido no manual de instruções, que tinha quase 700 páginas e explicações em 10 línguas diferentes, inclusive braile, não existia menção alguma sobre realizar ou receber ligações.

-Bem... é... sabem... eu acho que ele é...

-Não vai dizer que o Godzilla com teclas não funciona?!

-É claro que funciona! O XVR 7000 é o que existe de mais moderno e avançado do ponto de vista da tecnologia em todo o mundo!

-Super avançado! Só não faz nem recebe ligações! Hahahaha

O Fonseca ainda tentou reagir, mas não adiantou. Já tinha virado motivo de piada no escritório. O tal celular, que segundo o manual era o novo marco das comunicações mundiais, fazia de tudo, menos o que um telefone comum deveria fazer.

Mas, segundo o "feliz" proprietário do XVR 7000, o pior não era ter que agüentar as tirações de sarro. O chato mesmo era depender dos outros para fazer ligações.

-Ei Silva... dá pra me emprestar o celular rapidinho? Depois te pago!

-Toma, Fonseca... toma...




Sugestões: imagem enviada pelo meu colega Oscar. E não é que tem a ver mesmo com o meu texto?

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Confissões

O Carlos, o Vitor, o Alberto e o Noronha tinham chegado num acordo: iriam revelar ali, naquela mesa de bar, seus maiores segredos uns aos outros. Já eram amigos a pelo menos duas décadas, sendo assim, na visão deles, nada mais justo do que colocar na roda aqueles fatos que sempre tentaram esconder do resto do mundo. Seria a prova definitiva da união daqueles quatro “quase irmãos”. Prova de que confiavam uns nos outros a tal ponto, que teriam coragem de expor ali seus maiores dramas e frustrações. Depois disso, definitivamente, ninguém poderia se atrever a questionar a amizade do bando.

Foi o Vitor que, motivado pelo dever cívico de fortalecer a união do grupo e pela décima segunda rodada de cerveja, teve a idéia de realizar a sessão de confissões. Os outros três integrantes da mesa, visivelmente comovidos com a iniciativa e com o alto nível etílico que lhes guiava, concordaram prontamente. O único que questionou um pouco a empreitada foi o Noronha, sem sucesso.

Como autor da idéia, o Vitor tomou a palavra.

-Pois é pessoal! Vou começar... todo mundo me ouvindo?

O Carlos e o Noronha balançaram a cabeça afirmativamente. O Alberto só teve forças para emitir um soluço, o que no consenso dos demais significava um “sim”.

-Ok... lá vou eu!

O resto do grupo aplaudiu a iniciativa do Vitor. Todos os tipos de apoio e manifestações de incentivo eram válidos naquele momento.

-Bem... vocês devem saber que eu sempre fui um defensor da boa música, não é? Sempre fiz questão de escutar tudo aquílo que existe de melhor, seja no rock, na MPB, no jazz, no soul, nos grandes compositores eruditos...

Todos concordaram. De fato ninguém entendia melhor de boa música no grupo do que o Vitor. E ele realmente só ouvia o que existia de melhor. Chegou ao cúmulo de convidar todos os colegas de colégio da filha para uma festa de aniversário em sua casa, e pôr para tocar a nona sinfonia de Beethoven. A festa foi um fracasso, para desespero da filha que jurou nunca mais permitir que o pai organizasse qualquer evento em seu nome.

-Pois bem: admito, com muita, mas muita vergonha, que nos últimos dias eu tenho ouvido uma banda meio... meio...

-Coragem Vitinho! – Bradou o Carlos!

-Obrigado! Pois então: minha filha comprou um CD dessa banda, e pôs pra tocar o dia inteiro! No começo eu achei horrível. Mal feito, mal executado, ruim aos ouvidos... mas com o tempo... com o tempo tudo começou a ficar poético, entendem? É como se a música começasse a fazer sentido, e quando eu me vi, eu estava cantarolando ela em todo o canto. Tentei parar. Juro que tentei. Mas não pude, era mais forte que eu. Mais forte!

Silêncio. O resto da mesa ouvia o relato respeitosamente.

-Gente... eu, Vitor de Almeida Barreto, admito: nos últimos tempos, eu tenho ouvido RBD!

-Meu Deus! – Exclamou Carlos.

-Caramba! – Bradou Noronha.

-Hic! – Soluçou Alberto.

-Pois é gente... é triste! Eu sei que é! Mas é tão forte, é um ritmo tão sedutor. Eu tive que continuar. Comprei todos os CD’s e DVD’s, me filiei ao fã clube, decorei todas as músicas... lembram que eu furei naquele dia em que nós tínhamos um jogo marcado? Pois é... eu tinha ido no show deles aqui no Brasil!

-Poxa vida, cara... o caso é sério mesmo!

-É sim! E o pior gente: semana passada, minha filha veio reclamar que eu estava cantando uma das músicas deles alto demais! Que ela não conseguia se concentrar na lição de casa! Imaginem isso! Minha própria filha me repreendendo por eu cantar uma música do RBD!? Isso é demais pra minha cabeça!

-Acontece cara... acontece!

Como forma de reconhecimento pela coragem, o Vitor recebeu uma nova salva de palma dos colegas, ainda mais efusiva, chamando a atenção de todo o resto do bar.

-Obrigado gente! Sabia que podia confiar em vocês! E que isso fique só entre nós, ok?

Todos concordaram. A discrição era parte do acordo. O próximo a pôr seus segredos na roda foi o Carlos:

-Bem... vocês devem se lembrar do gato da dona Filomena. Sabem qual?

O gato em questão, chamado Floquinho, era o mascote dos quatro quando pequenos. Estava junto com eles em todos os momentos: das brincadeiras na rua ao bate papo embaixo da árvore depois de um dia inteiro de traquinagens. Coisa bonita de se ver. A dona Filomena adorava ver o seu gatinho de estimação interagindo com a garotada e não se importava com as tardes inteiras em que ele desaparecia. Sabia que estava em boas mãos, e que invariavelmente no fim do dia, lá estaria ele deitado na varanda, descansando e esperando o jantar. Infelizmente, certo dia, ele não voltou. Sumiu sem deixar pistas. O consenso foi de que ele teria sido roubado por alguém, ou tivesse se perdido. De qualquer forma, todos sentiram muito a falta do bichinho, principalmente a dona Filomena, que dizia nunca mais ter encontrado felino igual.

-Sim, acho que todos lembramos! O Floquinho... nosso velho mascote! O que tem ele?

-Lembram que ele sumiu?

-Sim!

-É claro!

-Hic!

-Pois então... a culpa foi minha! Eu o vendi pra um dos meus tios que mora lá no interior! Ele veio nos visitar e se apaixonou pelo tal gato! Me ofereceu alguns tostões, e eu não pude evitar: acabei vendendo ele!

A confissão era pesada. O Carlos tinha vendido o mascote da turma, um animal que, inclusive, nem era dele.

-Poxa vida!

-Cacete!

-HIC!

-É... eu sei! Isso foi terrível, né? Não acredito que tive coragem de fazer aquílo! Sempre que penso nisso, ainda hoje, fico com a consciência pesada!

-...

-Vocês ficaram quietos! Não engoliram a história do gato, não é? Sabia que não devia ter contado!

-Você há te entender que o caso é grave...

-Você vendeu o gato da dona Filomena, cara! Isso é terrível! A velha quase teve um treco quando percebeu que o gato tinha sumido!

-Hic!

-Eu sei gente, eu sei! Se pudesse voltar no tempo, eu não teria vendido ele... ou pelo menos teria cobrado mais caro! Eu era criança, bobinho. Não tinha idéia do que estava fazendo. Além do mais, vocês prometeram perdoar tudo! Era parte do acordo!

Era verdade. A compreensão também era fundamental para que a rodada de confissões fosse bem sucedida.

-Ok, Carlos... você foi corajoso botando pra fora esse fato! Foi preciso ter muita coragem e confiar muito no grupo! Parabéns!

-Obrigado gente! Vocês não fazem idéia do peso que e tirei das costas!

Efusivos aplausos seguiram a demonstração de coragem explicita protagonizada pelo Carlos.

-Bem... acho que agora, todos concordamos que quem está em melhores condições para fazer a confissão é o Noronha! O Alberto bebeu um pouco demais e...

-Que nada! Eu quero falar agora! – Bradou o Alberto, decidido, na primeira frase completa que ele tinha conseguido formular em horas.

-Ok... manda ver então!

-Olha... eu... eu sou um bosta! Um bosta, gente! Não fui eu que terminei com a Carmem! Foi ela! Eu disse pra todo mundo que eu tinha chutado ela, que tinha enjoado dela... mas não! Foi ela quem terminou comigo! Estava tudo normal, tudo lindo, até que ela chegou em mim, do nada, e falou: “Acabou Alberto...não quero mais você!”

-Nossa!

-Agora eu pergunto: o que foi que eu fiz de errado, hein? Sempre segui as regras, as normas. Sempre tentei ser um bom marido... e daí ela chega e diz que não me quer mais?! O que podemos concluir com isso? Que eu sou um bosta! Um b, o, x, d, t, a, e mais um ç que eu não lembro onde se coloca! Só isso! E o pior, sabem o que é? Eu ainda amo ela! Penso nela toda maldita noite! Choro de saudades feito uma criança, quando deveria estar odiando ela!

O Carlos e o Vitor se assustaram com a reação auto destrutiva do Alberto. Ele que sempre tinha se comportado como um legítimo machão, estava ali, quase aos prantos, admitindo que era submisso a sua ex mulher. O caso da separação, aliás, não estava bem explicado até então. Certo dia ele chegou afirmando que tinha se cansado do casamento, e que, sem motivo nem razão aparente, acabou com tudo. Fez chacota do caso, dando a entender que era areia demais para o caminhãozinho da esposa. Chegou a dizer que a Carmem chorou, berrou e esperneou, mas que nem assim ele tinha se compadecido com os pedidos de uma segunda chance feitos por ela.

-Calma cara... não precisa se auto flagelar!

-Que nada! Eu vivia uma fantasia! Fazendo todo mundo acreditar que eu era um cara durão, um dominador... quando na verdade eu tomei um fora da minha mulher! É deprimente gente, eu sei!

O Carlos e o Vitor consolaram o velho amigo:

-Que nada cara... você mostrou que é macho! Só alguém com muita coragem admitiria isso!

-Verdade! Tu é um exemplo pra todos os homens desse mundo!

-Bota exemplo nisso! Você é quase um herói rapaz! Devia ser saudado em praça pública!

-Verdade!

O Alberto ficou comovido com a atitude dos colegas!

-Poxa gente! Obrigado! Vocês são os melhores amigos desse mundo, mesmo!

-Imagina cara... aqui é assim mesmo! Um por todos e todos por um. Somos quase irmãos lembra?

-Isso aí!

-Verdade! Nunca me senti tão bem me libertando de uma mentira! Sabem? Eu Acho que eu nunca vou entender o porque ela me abandonou. Acho também que vou amar ela para sempre. Fazer o que, né? São coisas da vida!

Todos concordaram. Clichês à parte, eram coisas da vida.

-Pois é... mas vamos animar esse papo!

-Só sobrou você Noronha! Qual é o grande segredo que você quer revelar aos seus amigos?

-Eu to namorando a Carmem!

A declaração ecoou como uma bomba no recinto. Os três ficaram perplexos, sobretudo o Alberto, que com o baque da notícia quase se afogou com o gole de cerveja. Prevendo o pior, o Vitor tentou evitar que o Noronha continuasse, mas não teve tempo:

-Noron...

-E digo mais: ela terminou com você, Alberto, porque a gente já tinha ficado junto antes mesmo da separação de vocês!

-Noronha, vamos esquecer esse papo e...

-Fui eu que pedi pra ela terminar com você! Ela estava infeliz e eu não queria que ficássemos te enganando daquele jeito!

-Noronha...

-Eu to falando isso porque eu te amo cara! Você é quase um irmão pra mim e eu sei que vai me entender! Ela não guarda mágoas suas. Estamos até pensando em te convidar pra ser padrinho no nosso casamento. A notícia é meio repentina, eu sei, mas creio que em pouco tempo tudo vai voltar ao normal. O que acha?

O Alberto não esboçava reação alguma. Apenas ouvia os relatos, sem se mexer.

-É isso gente... esse é o meu segredo!

-...

-Vamos lá... falem! Alberto, meu irmão, me diz alguma coisa! Quero ouvir o que o meu grande amigo tem a dizer!

-Seu filho de uma puta!

Num pulo, o Alberto sobrevoou a mesa e por pouco não conseguiu agarrar o pescoço do Noronha, que se não fosse rápido, estaria em sérios apuros. O Carlos imediatamente agarrou o colega, antes que ele voltasse a tentar investir contra o novo namorado de sua ex-mulher. O Vitor não se conformou:

-Porra, Noronha!

A noite era para confissões, é verdade. Mas não para confissões tão reveladoras assim.

O Noronha ainda se defendeu...

-Eu falei que isso não ia dar certo, eu falei!

segunda-feira, 23 de julho de 2007

Miguxês

Para surpresa dos amigos, conhecidos e familiares a Paula voltou do período de férias na praia namorando. Foi um choque, até para a própria Paula. Ela que sempre tinha sido a careta da família, tinha encontrado um cara legal no lugar que ela julgava ser o mais improvável possível, e em pouco mais de uma semana de carícias e juras de amor, passou a namorar firme.

Aos amigos, explicou que conheceu o Juliano, vulgo “Ju”, na beira do mar enquanto esse jogava vôlei de praia com os amigos. Ela tomou uma bolada, reclamou, mas pouco depois se viu encantada com o jeito meigo e com o efusivo pedido de desculpas do rapaz que tinha lhe acertado. Mais tarde o Ju chegou a admitir que tinha sacado a bola de propósito em sua direção, só para ter um motivo para conversar com aquela linda moça. Ela achou o gesto lindo, e no fim do dia já tinha dado o primeiro beijo no rapaz. Um recorde se tratando da Paula.

Segundo ela, ele era simples, bonito e, olha só, até um pouquinho inteligente. Já tinha perdido as esperanças de encontrar um homem assim. Se sentia eufórica com a descoberta que tinha feito. Estava gostando de um cara, gostando pra valer. Ele tinha lá seus defeitos, era verdade, mas não era nada digno de decepção de sua parte. Fazia tempo que isso não acontecia.

Os amigos, acostumados com o jeito Paula de ser, foram taxativos: cedo ou tarde, ela acharia um defeito e tudo estaria acabado. Nos bastidores, uma pequena bolsa de apostas foi feita à espera do motivo que a levaria ao fim do namoro. Quando soube, ela ficou escandalizada. Disse que todos quebrariam a cara. Aquílo era um amor sincero, amor de verdade. Além disso, segundo ela, já tinha convivido suficientemente com ele para afirmar que o conhecia a fundo. Ledo engano...

A ficha de Paula começou a cair dois dias depois que ela voltou de férias. O Ju continuou mais uns dias na praia, e eles ficaram de matar as saudades um do outro por e-mail, até ele voltar pra casa e poder ligar para ela como mandava o figurino.

Ansiosa pelo contato, acampou na frente do computador à espera de um sinal de vida do namorado. Ele veio, mas não podia ter deixado a Paula mais chocada. O conteúdo da mensagem em si não tinha nada de especial: era a típica e previsível conversa de namorados recém unidos. O que a deixou perplexa foi outra cosa: o miguxês.

***

oi AMOr...... tUdU BeM??!?!

Ki SAUDAdixXx kI Eu Tavah Di vc!!!!! kEriAH mTu pOde Tah aiH kONtIGU...... kase xXxOrEi QDu vc fOi eMbOrah......

logU logu A Genti Vai se Ve DINovU...i daIH vAmuxXx fICAH JUnTUxXx PrAh SemPrE...... sAbE pQ??!?! Pq Eu ti AMODOLu!!!!!

ti AmODOLU MTU!!!!!

bEIjInHuxXx!!!!!

*JuH*

***

Pânico. Era como se tivesse acabado de descobrir que tinha convivido aquele tempo todo com um ser estranho. Ela, logo ela, estava namorando um cara que escrevia em miguxês? Não era possível. Alguma coisa devia estar errada. Tinha que estar. Nunca tinha suportado aquele tipo de linguagem, muito menos quem se valia dela para se expressar. Ele podia escrever de qualquer forma: comer uma ou outra letra, conjugar um verbo e forma errada, cometer um “tropeço” de digitação aqui e ali, trocar um “ch” por “x”... qualquer coisa! Menos escrever em miguxês.

Esfriou a cabeça. Deve ter sido um engano, ou sei lá: alguém podia ter mandado um e-mail pra ela só de sacanagem, tentando abalar o romance recém nascido dos dois. Parou, pensou e respondeu da forma mais racional possível: fingiu que nada de errado tinha acontecido.

***

Amor,

Também estou com saudades. Quando é que você vai voltar mesmo? Semana que vem, né? Mal posso esperar!

Estou bem. Fique tranqüilo. Algo me deixou meio preocupada. Nada sério. Tenho certeza que é só besteira minha.

Logo estaremos juntinhos... eu acho!

Te amo!

Beijos apaixonados.

Da sua Paulinha.

***

A resposta veio um dia depois, e não podia ter sido mais desesperadora para a Paula.

***

AmOr!!!!!

u KI FOI Ki acOnTecEu...Hein??!?! FikEI pReOCupAdu!!!!! U ki EH KI taH DExXxAnU MINHAH FOfUxXxaH tRisteEnHah??!?!

FAltAm Soh AlguNxXx dIaxXx AMor...... VAi dah TUDu cERTU...VC vAI VE!!!!!

tI aMOdOlU MtU...1 TAntAUM AXXim...OH:

\____________________0____________________/

BEIjinHuxXx!!!!!

*JuH*

***

Era verdade: estava namorando um miguxo. Como é que podia ter cometido um erro daqueles? Amava ele, estava apaixonada, mas aquílo era demais para ela assimilar assim, de uma hora para outra. Tentava ser racional, tentava demonstrar frieza, paciência, mas sempre que pensava no “aMOdOlU” proferido pelo Ju, seu coração doía. Chutou a cautela para escanteio, e respondeu da maneira que julgava mais adequada para aquele momento. O namoro estava em crise, mesmo que o Juliano não se desse conta disso.

***

Ju:

Estou preocupada. Você pode achar que parece besteira, mas tem uma coisa que está me incomodando bastante: seu jeito de escrever. È, parece loucura, eu sei, mas a verdade é que estou desesperada à espera de uma resposta sincera de sua parte.

Afinal de contas: você é um miguxo ou só está escrevendo daquele jeito para fazer um “charminho”. Se for por charminho, pelo amor de Deus, pára com isso.

Aguardo resposta.

Paula

***

Pronto. Tinha enviado o e-mail. A resposta daquele correio eletrônico selaria os rumos do relacionamento dos dois. O final feliz deles dependia de uma resposta coerente do Ju. Se tivesse que ler mais um “aMOdOlU”, não agüentaria. Infelizmente, quando a resposta finalmente chegou, não pode conter sua decepção.

***

amOR!!!!!

u kI Eh miguxXxU...hEIN??!?! nauM ENteNDi u ki VC kIxXx dIZe!!!!! u KI eH kI Tem dI ERRAdeEnHU nU MEu jeItu DI escreve...heiN MinhaH fOfUxXxAH??!?!

toW PREoCupADu...viU??!?!

Ti AmOdOLU MtU...oK??!?!

VaMUxXx FicaH JuNtUxXx PrAh SeMPrE!!!!!

kIXXUxXx


*JuH*

***

A resposta da Paula fala por si só:

***

Juliano,

Está tudo acabado entre nós, desculpe.

A culpa não foi sua, acredite. A culpada sou eu. Eu é que não consegui me adaptar a esse seu jeito “fofo” de escrever. Ou melhor... você tem culpa sim, mas isso não vem ao caso agora.

O fato é que nunca suportei miguxos. Desculpa, mas é verdade. Isso é demais pra mim, não pude assimilar, entende? Não... provavelmente você não vai entender.

O fato é que acabou. Foi bom enquanto durou, mas acho que me precipitei um pouco quando começamos a namorar.

Peço perdão por colocar fim ao nosso namoro dessa forma, tão repentinamente, mas juro para você que não suportaria ouvir mais um “AmOdOLU” e... bem... como já falei, provavelmente você não vai me entender.

Por favor, não me procure mais.

Bom futuro para você Juliano.

Si cuida.

Paula

***

Os amigos, quem diria, compreenderam o fim do namoro e apoiaram a decisão da Paula. Um miguxo não era digno de confiança. O Juliano bem que tentou entender o que tinha feito de errado, mas não conseguiu.

-onDI fOI ki eU eRREi??!?!

domingo, 8 de julho de 2007

Tagarela

E eis que ciência derruba mais um mito que imperava no bom senso popular: segundo uma pesquisa realizada por cientistas de uma universidade do Arizona, nos EUA, os homens falam tanto quanto as mulheres. Durante oito anos, esses especialistas gravaram trechos de conversas de grupos masculinos e femininos, a fim de estabelecer uma comparação. O resultado final apontou que o número médio de palavras ditas por ambos os sexos é estatisticamente equivalente. Ou seja: o velho preconceito de que as mulheres são infinitamente mais tagarelas que os homens, caiu por terra.

Para quem se interessar, a matéria completa pode ser lida no portal de notícias G1, clicando aqui.

De fato, a pesquisa é uma arma poderosa na mão das representantes do sexo feminino. Está cada vez mais difícil para nós homens apelar para a ciência em defesa de nossos argumentos supostamente machistas.

O Arnaldo é prova viva disso:


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-Arnaldo! Lê isso daqui! O que você tem a me dizer, hein?

O Arnaldo tomava o café da manhã tranqüilamente quando sua esposa, a Verônica, lhe enfiou o jornal na frente do rosto com um ar triunfante. Ele demorou um pouco a entender o que tinha acontecido. Correu os olhos pela página do jornal e se deparou com a manchete do caderno de ciência: “Pesquisa revela: homens falam tanto quanto as mulheres”. Imediatamente se lembrou da noite anterior. Estavam na casa de um casal de amigos, jantando, quando a verônica desandou a falar e não parou mais. O Arnaldo tentava conversar com seu velho amigo, mas era intimidado pelo diálogo fervorosamente empolgado da dupla feminina da mesa. Aquílo tinha lhe deixado inconformado. Na hora olhou para o Paulo (o dono da casa), deu de ombros e sem dizer nenhuma palavra, declarou com os olhos ao colega: “Fazer o que? São mulheres...”

Na volta para casa desabafou: disse poucas e boas para a Verônica. Como é que pode alguém ser tão faladora? Alegou que tinha passado vergonha na casa do amigo. Que estava casado com a “rainha da tagarelândia”. Ela ficou revoltadíssima. Não admitia ser chamada de tagarela, sobretudo por seu próprio marido. Ele retrucou dizendo que perdoava ela, afinal de contas, todo mundo sabia que mulheres são faladoras por natureza. Aquílo doeu na alma da Verônica. Jurou a si mesma que ia se vingar daquela insinuação machista.

E eis que, no dia seguinte, quando abriu o jornal, ela se deparou com a boa nova. Era o destino. Tinha o argumento que precisava para provar para o Arnaldo que não era tagarela. Não pensou duas vezes: levantou da cadeira e foi ao encontro do marido para questionar seus argumentos machistas.

-Anda Arnaldo! Fala alguma coisa!

-Legal!

-Como assim, “legal”? Cadê aquela história de que nós mulheres somos falantes, hein? Porque você não fala agora aquílo que tinha me dito ontem? Quem ouvisse você falando ia achar que eu sou a maior faladora da paróquia. Como é que você disse mesmo? Rainha da língua solta? Não... não era isso! Ah, lembrei: rainha da tagarelândia! Aquílo me doeu Arnaldo. Não se fala isso para uma mulher. Não se faz uma insinuação dessas. Você sabe muito bem que eu nunca fui de falar muito. Sempre fui contida, na minha. Mas você não tava nem aí, né? Preferiu ser machista! Preferiu me acusar de ser algo que eu nunca fui! Vejam só... tagarela! Você me chamou de tagarela Arnaldo. Isso não se faz. Sabe o que eu devia fazer? Pegar um gravador, colocar ele na sua camisa, e gravar quantas palavras você fala por dia! Não ia ter fita que chegasse, né Arnaldo? Você que fala demais e eu que sou a tagarela! Ora, vejam só! Eu disse que você ia me pagar Arnaldo. Eu disse! Você vai se arrepender e...

-Veja bem amor...

-Shhhhhh... Não me interrompa! Quem está falando agora sou eu! Você vai ficar aí, sentado, ouvindo! Tava querendo me interromper, né? Tá vendo só? Olha como você é tagarela! Mal me deixou falar, e já ia tentando me interromper. Mas hoje não Arnaldo. Hoje você não vai abrir essa sua matraca. Vai me ouvir. Me ouvir quietinho. Só vai falar quando eu deixar. A ciência está ao meu favor. Tenho argumentos. Agora, não importa o quão machistas sejam os seus comentários, eu tenho como retrucá-los. Como é bom ter a teoria a nosso favor. Você queria ter esse trunfo, não queria? Queria poder ter um jornal com a manchete “Pesquisa aponta: mulheres falam de duas há três vezes mais que os homens”. Você queria, né? Daria qualquer coisa para ter um jornal com uma manchetes daquelas para poder esfregar na minha cara! Não é verdade, Arnaldo? Queria... queria, mas não tem! Quem tem sou eu! Quem pode provar seus argumentos sou eu, não você! Isso dói, né Arnaldo? Como deve ser chato perceber que se está errado! Não queria estar no seu lugar agora. Não queria mesmo! Ouvindo sua própria esposa lhe dar uma lição de moral. Sua própria esposa provando que você estava errado. Anda Arnaldo. Tem alguma coisa pra falar? Estou louca pra ouvir o que tem a dizer! Quais seus argumentos agora, qual será sua defesa. Vamos Arnaldo: o que tem a me dizer?

-Nada...

-Como nada? O gato comeu sua língua? Não tem o que dizer, né? Sabe que eu estou certa. Sempre soube. Sabia que eu não era tagarela, mas mesmo assim fez questão de me acusar. Você me dá pena Arnaldo. Sabe o que é sentir pena de alguém? Não sabe, não é? Se soubesse não teria dito aquílo. Você não teve pena de mim ontem. Se tivesse sentido pena, saberia o tamanho da pena que eu estou sentindo. Que pena, né? Você sabe que eu odeio mentiras Arnaldo, e mesmo assim você mentiu pra mim ontem. Mentiu não: me humilhou! Usou um argumento baixo, machista. Bem que minha mãe tinha me dito que você era assim, que era pra eu tomar cuidado. Tinha me falado: “olha minha filha: esse homem não é tudo isso que você pensa”. Mas eu não ouvi, estava apaixonada. Sempre estive. Sempre dei o melhor de mim pra você: o melhor carinho, o melhor humor, as melhores fases da minha vida... e como você me retribui? Me chamando de “rainha da tagarelândia”. E se fosse verdade pelo menos, tudo bem! Eu sei admitir meus defeitos. Mas falar demais nunca foi do meu gênero. Sempre fui contida, sucinta. Aliás, acho que estou me tornando até mais contida do que antes, graças à idade. Sinto que estou mais serena. Mas você não sente isso não é Arnaldo? Você só soube me qualificar de uma maneira leviana. Isso machuca, sabia?

Nessas alturas o Arnaldo nem ouvia mais o que era dito pela Verônica. Estava entretido lendo o jornal. Por sorte, reparou que ela tinha parado de falar, e teve tempo de balbuciar a primeira coisa que veio à sua mente.

-É, né?

-É sim Arnaldo, é sim! Que bom que admite isso. Pelo menos isso, né? Espero que tenha percebido o tamanho da calúnia que cometeu. Esses seus conceitos machistas estão errados! Será que não percebe isso? Será que todas as vezes que você inventar uma mentira eu terei que usar a ciência pra te provar o contrário? Acho que não, né? Não iria ser legal, não é? Eu imagino como você deve estar se sentindo agora. Deve estar pensando: “Poxa! Como eu fui idiota. Não devia ter dito uma besteira daquelas. Não é isso? Não é assim que você se sente? Arnaldo? Arnaldo??

Distraído novamente:

-Mmmmm?? Sim, sim!!

-Então... mas quer saber? Eu vou te perdoar. É Arnaldo, eu vou te perdoar. Você já foi castigado como merecia. A ciência está do meu lado. Eu não tenho culpa de ser coerente. Além do mais, apesar de tudo, apesar de você ter me chamado mentirosamente de tagarela, de “rainha da tagarelância”, eu ainda te amo. Sempre te amei. E não vai ser uma pisada na bola sua que vai acabar com esse sentimento. Mas eu espero realmente que isso tenha te servido de lição. Espero que tal situação nunca mais se repita. Espero que das próximas vezes você meça suas palavras. Perceba o quanto isso é estúpido. O quanto sua afirmação foi infundada. Você atentou contra a minha dignidade, contra a reputação de todas as mulheres desse mundo! Ouviu bem? Do mundo!! Mulheres tagarelas? Não Arnaldo... mulheres e homens tagarelas! Tagarelas em igualdade. Equivalentes em tagarelice. Assim são homens e mulheres. Iguais, ouviu bem? Idênticos, semelhantes. Fora o lado biológico, o resto é igualzinho! Não tem diferença nenhuma. Mas eu te perdôo Arnaldo. Está perdoado.

-Obrigado...

-Sabe? Hahahaha... eu estava pensando... chega até a ser engraçado! Tagarela, eu? Hahahahahaha... só rindo mesmo! Você inventa cada uma, Arnaldo. De onde você tira isso? Hahahaha... ai ai! Tagarela, hein? Ah Arnaldo... como você me dá pena! Sorte a sua que eu sou tolerante! Que eu não fico grilada com esse tipo de coisa. Será que algum dia você vai abrir o jornal e dar de cara com uma manchete que confirme seu ponto de vista? Será Arnaldo? “Pesquisa aponta: os machistas sempre estiveram certos”. Difícil, né Arnaldo? Mas não perca as esperanças... quem sabe um dia isso aconteça! Hahahaha

A Verônica gargalhou, se virou e foi embora triunfante. O Arnaldo suspirou conformado, e perguntou para si mesmo: “mulheres... quem entende?”.

Ninguém Arnaldo... ninguém!