domingo, 15 de abril de 2007

O beijo

Aconteceu na última sexta-feira:

-Amor?

-Diga...

-Hoje é o dia do beijo sabia?

-Ah é?

-É sim...

-Que legal...

(...)

-Amor?

-Sim?

-Você já tinha beijado muitas mulheres antes de me beijar?

-Ah... sei lá! Depende do que você chama de muito... mas acho que nem vale a pena tocar nesse assunto!

-Ah não... pode falar! Eu to curiosa... prometo que não vou me irritar!

-Promete mesmo? Sabe como é que é... pode rolar um ciuminho básico, sabe?

-Imagina... eu sou uma adulta Arnaldo. Adulta emancipada! Não vou ficar com ciúme nenhum, prometo!

-Ok... se você ta dizendo... o que quer saber?

-Sei lá... me fale como foram seus primeiros beijos... quais os melhores! A gente é casado a quase 10 anos e nunca conversamos sobre isso!

-Bem... meu primeiro beijo foi com uns seis anos e...

-Seis anos??

-Sim, seis!

-Como você foi precoce... como é que foi?

-Foi bom! Com uma prima... a Cidinha sabe?

-O que? A Cida? A Cidinha puritana?

-Sim, porque?

-Porra... ela chegou a virar freira depois, né Arnaldo?! Você não tem vergonha?

-Ei... a gente tinha seis anos, lembra?

-Isso não muda nada!

-Como não? Ouviu o que eu disse? Foi antes dela sequer pensar em virar freira... inclusive ela desvirou depois!

-Como você foi canalha! Justo com ela! Bem com ela que eu nunca simpatizei! Não esperava isso de você...

-Pelo amor de Deus Alice... pára com isso! Sem drama!

-Garanto que não ficaram só no beijo!

-A gente tinha seis anos, porra!!

-Não grita comigo!

-Então não surta... a gente era criança, não sabia direito nem o que tava fazendo!

-Ela não devia saber mesmo, isso eu garanto, mas você devia saber muito bem! Eu te conheço!

-Eu não sabia nem amarrar o cordão do tênis direito...

-Pois é... mas você aprendeu na prática, né? Assim como deve ter aprendido um monte de coisas com ela!

-Não seja burra!

-Burra Arnaldo? Você fala na minha cara que beijou sua prima que foi freira, e não quer que eu reaja?

-Escuta, você é doida ou o que? A gente tinha seis anos, foi o meu primeiro beijo... meu não, nosso!! Não teve malícia nenhuma, a gente tava só se conhecendo!

-Engraçado... no meu tempo, quando eu ia conhecer um primo, um “oi, tudo bem? Você gosta do que?”, já bastava!

-Eu não acredito que isso ta acontecendo...

-Quem não acredita sou eu... estive casada por todos esses anos com um homem que eu mal conhecia!

-Não foi você que perguntou qual tinha sido meu primeiro beijo? Insistiu na resposta, aliás! Pois é: eu só respondi!

-É, acho que sou burra mesmo. Se tivesse te perguntado isso antes, talvez nunca tivesse ficado com você!

-Ah, é assim então? Quer dizer que tudo o que a gente construiu em todos os esses anos de namoro e casamento não serviu de nada? Nossa casa, nossos filhos, nossa vida feliz não valeu de nada?

-Arnaldo... você beijou sua prima feira! Como é que você quer que eu me sinta?

-Alice... eu tinha seis anos, ela também! Foi o nosso primeiro beijo!

-Mas puxa... justo com a Cida?

-É né, fazer o que? Aconteceu!

-Se fosse com outra menina eu até entenderia... mas nunca fui com a cara da Cida! É difícil pra mim assimilar isso, entende?

-Mais ou menos... mas se te serve de consolo, aquela foi a única vez que eu beijei ela! Depois disso nunca mais! E foi beijo de boca fechada e tudo...

-Ah... isso não muda nada, né espertão?

-Muda sim... claro que muda! Quer beijo mais bobo que beijo de boca fechada?

-Ela era freira Arnaldo!

-Ela virou freira depois Alice! Puta que pariu!!

-Não fala assim comigo!

-Ta... desculpe! Eu acho que você está exagerando mas vou respeitar sua opinião! Eu errei, e vou entender se ficar brava comigo por uns dias!

-Nem vem com esse papo... nossa relação está seriamente abalada!

-Isso já ta me enchendo o saco!

-Ei, peraí... qual foi a segunda pessoa que você beijou, hein?

-Ah... e você acha que eu vou te contar? Se você já surtou quando eu falei da Cidinha, imagine se eu te falar qual foi a outra!

-Porque? Ta preocupado com o que? Sabe que ta devendo, né? Quem não deve, não teme! Vai contar sim, e vai contar agora!

-Vou nada...

-Ah vai!

-Pra que? Pra você dizer que eu sou um canalha? Pra me acusar de ser um tarado mirim?

-Ela, essa segunda, é ou já foi uma freira?

-Não!

-Então você não tem com o que se preocupar! Vai, conta... preciso saber o nível das suas escolhidas!

-Tem certeza que quer saber? Não vai surtar agora?

-Tenho sim... fique tranqüilo... nada pode ser pior que a Cida!

-Então ta... meu segundo beijo foi quando eu tinha uns 8 anos, numa tal de Rafaela!

-Rafaela? Esse nome não me é estranho...

-Sim... sabe a Rafa?

-Quem? A Rafa? A “Rafinha boca de vulcão”?

-Sim!

-Eu não acredito! Como é que você pôde??

-Eu tinha oito anos!

-E com a Cidinha você tinha seis... garanto que com 10 você já freqüentava bordeis!

-Eu sabia que isso ia dar em merda... tinha certeza! Porque é que fui falar?

-Olha Arnaldo: eu não esperava isso de você, sabia? A Rafinha era a maior galinha da região e você ficou com ela! Isso é inadmissível!

-Como assim “ficar”? Deve ter sido o primeiro beijo dela! A gente era criança, mal sabia o que estava fazendo... se eu tivesse uns 15 anos, daí tudo bem! Estaria cheio de más intenções, mas eu era um pirralho!

-Hunf...

-Além do mais, você disse que beijar a Cidinha era o que poderia existir de pior! Com a Rafa então você nem deveria ficar tão chateada...

-Ah, me poupe! Foi tão ruim quanto... até pior se bobear! E pensar que eu ainda te dei mole!

-Quer saber? Vamos esquecer desse assunto?

-Não sei... eu estou muito chateada!

-Vamos sim... isso é ridículo! A gente se ama e é isso que importa! Quem eu beijei ou deixei de beijar ou quem você beijou, pouco me importa! O que importa é que estamos juntos agora, e nos amamos, certo?

-É... acho que sim! Mas isso me magoou sabe?

-Não era minha intenção! Além do mais, foi você que pediu para que eu contasse! Esse tipo de assunto a gente não comenta, né? Tudo pra evitar esse tipo de situação!

-É... pensando bem, acho que você tem razão!

-Então? Estou perdoado?

-Ta... tudo bem! Prometo que não toco mais nesse assunto!

-Que bom...

-Estou mais aliviada!

-Ei... já que fizemos as pazes, o que acha de darmos um beijo daqueles bem grandes pra selar nossa harmonia! E de quebra comemoramos o dia do beijo!

-Hehehe... ok!!

-Nossa amor... de todas as que eu já beijei você foi a melhor sabia?

-Aiiii... que fofo!

-É verdade! Você é o grande amor da minha vida e nada nem ninguém vai mudar isso!

-Como você é romântico! Sabe... é recíproco! Desde o dia em que eu conheci o amor, quando dei meu primeiro beijo em um dos meus colegas de sala, o Paulinho, nunca mais encontrei alguém que me fez tão feliz quanto você e...

-Ei... Peraí! Paulinho? Qual Paulinho?

-Um Paulinho... você nem deve conhecer ele!

-Eu tinha um amigo que se chamava Paulo, vulgo Paulinho... o apelido dele entre a gente era Zorba!

-Ah... então não deve ser o mesmo! O nome completo dele era Paulo More...

-Paulo Moreira Neto... era ele, o Zorba! Alice... você beijou o Zorba! Como é que você pôde?

-Eu nem sabia que vocês se conheciam... eu nem te conhecia! Como é que eu ia saber?

-Podia ser qualquer um Alice, menos o Zorba!

-Mas amor...

-Sem essa de amor! Você não pensou em amor quando ficou com o Zorba!

-Eu tinha 13 anos e nem te conhecia ainda!

-E você acha que isso muda alguma coisa?


Se serve de consolo, no fim tudo acabou bem. Não sem antes ambos acertarem um acordo mútuo de não proliferação de memórias românticas juvenis.

A paz finalmente voltou à reinar... não sem uma pontinha de desconfiança de ambas as partes.

O amor definitivamente é algo estranho.