terça-feira, 27 de maio de 2008

Feio

Sou feio. Ponto. Quando digo isso não existe qualquer tipo de falsa modéstia ou propaganda às avessas. É fato! Meu físico é franzino. Meu rosto é tão proporcional quanto um quadro do Picasso. Meu sorriso já fez dentistas pedirem aposentadoria. Isso para não citar o resto da obra.

Mesmo assim, acreditem, sou feliz. É bem verdade que minha aparência, aliada a minha língua presa e minha timidez mórbida não me fizeram o maior dos “pegadores” da cidade.

E quem disse que isso é ruim? A verdade é que minha lista de namoradas, apesar de não muito extensa é relativamente “caprichada”. Além de belas (isso é meio contraditório, eu sei), todas eram inteligentes, interessantes, bem humoradas e, o melhor de tudo, me conheciam de verdade. Aliás, essa é a grande vantagem de ser feio: as pessoas te valorizam muito mais pelo que você é, pelo que pensa, do que por um rostinho simpático. E tem coisa melhor do que ficar com quem realmente gosta da gente?

Mas não é para me vangloriar de minha feiúra que escrevo aqui.

Não sei se vocês viram por aí, mas nos últimos meses um argentino chamado Gonzalo Otálora, um “trubufu” assumido, apareceu em diversos meios de comunicação defendendo uma proposta um tanto inusitada: segundo ele, as pessoas deveriam pagar impostos por sua beleza.

É claro que a história é uma grande piada, mas o argumento do rapaz é até certo ponto lógico: os belos conseguem quase tudo de uma maneira mais fácil do que um feio consegue. Emprego, por exemplo. Mesmo que os “patrões” não admitam, é muito mais fácil alguém bem apessoado ser contratado do que um pobre feioso qualquer. A menos, é claro, que o emprego em questão diga respeito a uma vaga no “túnel do terror” de algum parque de diversões por aí.

Eu particularmente, sou mais a favor do resto do mundo pagar um imposto por não ter nascido na Argentina, mas aí já é outra história (é brincadeira, gente, é brincadeira...).

De qualquer forma, a história ganhou notoriedade e fez muita gente pensar duas vezes sobre o papel que a aparência tem em nossa sociedade.

Pode não parecer, mas acreditem, ser feio é uma benção.

***

O João, o Gustavo e o Antônio se conheciam a tanto tempo que resolveram abrir um clã (o Gustavo preferia que fosse um”clube”, mas os outros dois argumentaram que “clã” era um termo mais bacana): os “Feiosos Unidos”.

Semanalmente eles se reuniam na casa de um dos integrantes para conversar sobre aquela que era a grande maldição que lhes tinha sido imposta pelo destino: a falta de beleza.

Não, não tratava-se de exagero dos meninos. Eles realmente eram feios. O resto da humanidade era testemunha disso.

Cientes de que seriam alvo fácil diante do olhar crítico da sociedade, sempre sedento por uma boa aparência, resolveram se unir a fim de bolar estratégias de defesa.

Os encontros semanais tinham todo um rigoroso protocolo e uma escala de assuntos, que começava no relato das visões que tinham tido durante a semana das beldades do colégio, e terminava quase que invariavelmente em suspiros ora emocionados, ora desanimados.

-E a Maria?

-Que joelhos, meu Deus, que joelhos!

-E a boca então?!

-Nem me fale da boca, nem me fale...

-Ai, ai...

Mas não se enganem. Apesar de tudo o trio de amigos era feliz. Um tanto inconformado com a “sacanagem” do destino para com eles, é verdade, mas cientes de que ao menos tinham bons olhos para admirar a beleza abundante que lhes faltava (exceto o João, que tinha pouco mais de seis graus de miopia).

Mas dentre todas as similaridades que possuíam uma era ainda mais latente: a inveja que sentiam do Valdir.

O Valdir era o bom partido do colégio. Loiro, olhos azuis, braços fortes, sorriso perfeito... O típico clichê ambulante do tipo de cara que as mulheres admiram. Mas o pior nem era isso. O Valdir era inteligente, tinha uma lábia envolvente e fugia do estereotipo do “bonito/burro”, que de certa forma servia para consolar os meninos que vez por outra argumentavam que “fulano pode até ser bonitinho, mas é uma anta!”.

A prova inexorável do sucesso do Valdir para com a mulherada podia ser medida em números: todas as garotas que já tinham povoado os sonhos dos integrantes do clã dos “Feiosos Unidos”, invariavelmente já tinham passado pelas mãos do rival. E olha que a lista não era pequena.

Para eles, o Valdir era a prova definitiva da injustiça divina, dá má distribuição de renda estética empregada pelo Todo Poderoso. O Antônio, mais radical, chegou até a cogitar a possibilidade de mudar o nome do clã para “Feiosos Unidos Contra o Valdir”, mas não teve aprovação.

O fato é que, conformados, e já as vésperas de completarem o colegial, não lhes restava outra alternativa a não ser a de desejar dias melhores no futuro, e mulheres menos exigentes.

Foi então que, certo dia, logo depois de saíram do colégio, o grupo de amigos se deparou com uma cena inusitada: o Valdir, sentado na calçada, chorando copiosamente.

Os meninos se olharam. O que será que estava acontecendo com o cara? O Antônio sugeriu que eles fossem embora de uma vez. O Gustavo, mais diplomático, sugeriu que puxassem papo com o Valdir. O João não tinha opinião formada, faria o decidissem fazer. Depois de uma rápida discussão, concluíram que valia a pena seguir o velho lema de Don Vito, personagem do filme “O Poderoso Chefão”: mantenha seus amigos perto, e seus inimigos mais perto ainda.

Tal qual uma esquadra em formação de ataque, se posicionaram dois a esquerda, e um a direita do Valdir, que continuava a chorar. Sentaram-se.

-Valdir... Tá tudo bem contigo?

O Rapaz levantou a cabeça, enxugou as lágrimas mais pesadas e respondeu num tom amigável.

-Mais ou menos, gente!

-Aconteceu alguma coisa? A gente pode ajudar de algum jeito?

-Acho difícil, mas agradeço de coração a boa vontade de vocês!

O Gustavo insistiu:

-Tem certeza? Se quiser se abrir com alguém nós estamos à disposição.

O Valdir pensou durante algum tempo. Olhar perdido no horizonte.

-Ok pessoal, eu estou precisando mesmo disso. E vocês são pessoas bacanas, eu sei. Além do mais é sempre bom ter uma segunda opinião!

-E uma terceira e uma quarta também – disse o Antônio, que naquela altura já era o mais empolgado com o bate papo.

-Bem... Eu estou chorando é por causa... Putz! É até difícil de falar.

-Coragem, rapaz.

-Eu estou chorando... É por causa de mulher, gente!

O João quase gargalhou. Eles na seca, e é o cara que chora por mulher.

-Mas o que houve?

-Essa história de ficar com tudo quanto é garota que te dá mole... Isso não é vida, entendem?

Os três ficaram quietos. Percebendo que não teria uma resposta, Valdir prosseguiu.

-Passei a vida inteira dando em cima da mulherada, investindo em tudo quanto era “garota gostosa”. E olhem só pra mim. O que foi que eu consegui com isso? Nada!

-Como assim “nada”? Você pegou um monte de mulher e...

-É tudo vazio, sabe? Tá, é bacana ficar com mulheres gatas. É maneiro, é prazeroso... Mas é tudo tão insignificante! Chega uma hora que você cansa de bocas carnudas, de peitos fartos, de bumbuns empinados, de rostos simétricos...

Nessa altura os três garotos quase espumavam pela boca.

-Sabem o que eu realmente queria? Uma mulher inteligente, afetuosa, que gostasse de mim só pelo que eu sou, não por esse meu rosto simpático. Mas eu não consigo. Esse é o problema! As garotas não enxergam além dos meus olhos azuis, e isso é muito frustrante. Eu daria qualquer coisa para achar uma mulher que não quisesse só sexo, que me amasse de verdade. Vocês me entendem, né?

Os três estavam sem ação, quase que hipnotizados pelas palavras do Valdir. Gustavo, o mais lúcido do trio, teve forças para balançar discretamente a cabeça de forma afirmativa. Ainda conseguiu dizer, num tom reflexivo:

-Mulheres... Mulheres...

E completar:

-Mulheres!

-Pois é, amigos. Mulheres. Se elas ao menos me valorizassem pelo que eu penso, não pelo que eu aparento ser...

Comovido, o Valdir abaixou a cabeça e voltou a chorar. Pouco depois, resumiu sua angústia, aos soluços:

-Ser bonito é uma bosta, gente... Uma bosta!

Os três se olharam mais uma vez. Dessa vez, incrédulos com a sorte que repentinamente tinham descoberto possuir.

Quem diria: os feios eram felizes e não sabiam.

Diário de bordo

Sim, cá estou eu de volta.

É estranho, mas toda vez que fico um bom tempo sem postar nada me sinto na obrigação de escrever um texto inteiro só para justificar minha ausência... Como se alguém se importasse.

Pior que tem gente que se importa, e isso é muito legal. Teve gente que chegou a me ligar perguntando se eu estava bem e os motivos do longo tempo sem escrever alguma coisa (né Bia?).

Ok, vamos aos fatos:

Em síntese ando bem atarefado ultimamente. A faculdade anda me tomando um tempo preciso bem como boa parte de minha capacidade intelectual (que, convenhamos, já é bastante limitada). Sabe aqueles dias livres em que tudo o que você quer é entrar em coma, ou, como já disse aqui algumas vezes: “colocar seu cérebro num balde com gelo”? Pois então... Estou passando por uma fase assim.

Mais do que cansaço, o que tem me tirando a paciência é a falta de criatividade que tenho enfrentado, fruto, provavelmente, desse excesso de atividades. A coisa mais original que fiz nas últimas semanas foi ter usado minha cueca do avesso durante um dia inteiro... E o olha que nem foi de propósito!

Ok, já falei demais.

De qualquer forma, venho aqui para agradecer a todas as pessoas que passam por aqui de vez em quando e perdem seu tempo lendo minhas abobrinhas. A vocês, o meu sincero muito obrigado.

Se eu voltar a sumir, não se preocupem. Um dia eu volto. Ou não.

Beijo no cérebro!