Filho de seis anos conversando com seus pais:
-Como é que vocês me tiveram?
-Como assim?
-Como é que vocês me tiveram? Quando é que vocês resolveram que queriam que eu nascesse?
-Bem... Na verdade você não foi planejado!
-Júlio!!
-O que foi?
-Isso lá é coisa que se diga pra criança?
-Só falei a verdade, ué?!
-Então vocês não queriam que eu tivesse nascido?
-É claro que queríamos, meu filho. Seu pai é que não soube te explicar direito.
-Mas é a verdade. Eu só estava...
-Ssshhh! Quieto!
-Vocês queriam, então?
-Lógico!
-Bem... Querer a gente não queria, mas aconteceu e foi algo muito bom pra gente.
-Júlio!!
-O que foi?
A Marisa pediu licença pro menino e foi dar uma bronca no esposo num canto da sala.
-Pare com isso! Vai confundir o menino. É claro que a gente queria o Pedrinho!
-Querer sim... Mas não naquela época. Vamos ser francos. A gente não esperava que você ficasse grávida. Nem namorado a gente era. Mas foi ótimo, porque isso uniu a gente. À força, mas uniu.
-Mas ele não precisa saber de todos esses detalhes. Não agora. Ele é muito inocente. Não entende direito como são estas relações afetivas entre homens e mulheres.
-Relações afetivas? Eu achei que a gente só tinha transado à toa e...
-Engraçadinho. Você entendeu muito bem o que eu quis dizer!
Minutos depois, o filho continuou a sabatina.
-Então vocês realmente não queriam que eu tivesse nascido?
-Não naquele momento!
-Chega Júlio. Não bota minhoca na cabeça do garoto!
-Mas eu só estou falando a verdade. Quero ser franco com o Pedrinho. Não é isso que você quer filho? Que a gente sempre fale a verdade para você?
O garoto balançou a cabeça afirmativamente, com a cara mais inocente do mundo. A Marisa não concordou.
-Não dá bola para o que seu pai está dizendo filho. A gente queria ter você sim. Não importa o que seu pai diga, a verdade é que nós queríamos.
O Júlio percebeu que discutir era inútil. Resolveu fazer coro com a esposa só para tentar dar um ponto final ao assunto.
-Sim filho: a gente queria tê-lo. Aconteceu cedo, mas foi ótimo. Você foi o maior presente que Deus já nos deu.
-Entendi. Mas porque aconteceu cedo?
-Como assim?
-Vocês queriam me ter. Mas ainda era muito cedo. Então, como é que aconteceu? O que foi que vocês fizeram pra que eu tivesse nascido tão cedo?
O casal se entreolhou tentando achar uma desculpa plausível. A resposta correta, teria que passar obrigatoriamente por detalhes de uma noitada mal planejada que acabou com uma gravidez precoce.
-Olha: Você quer saber mesmo a verdade? – Perguntou cuidadosamente a Marisa.
-Quero sim!
-Então tá: a verdade é que a gente se amava tanto, mas tanto, que você não esperou e resolveu nascer cedo!
O Júlio entrou na onda:
-Isso aí filho: eu e sua mãe gostávamos tanto um do outro, tínhamos tanto amor sobrando, que você resolveu vir bem rápido pra aproveitar tudo isso!
-Isso aí! Entendeu filho?
O garoto refletiu nas respostas durante algum tempo. Cara de pensativo.
-Acho que sim.
Missão cumprida. A Marisa e o Júlio tinham conseguido contornar a difícil situação. Existiam certos detalhes que deveriam ser poupados, sobretudo para um garoto naquela idade. A inocência do Pedrinho estava preservada.
-Mas vocês têm certeza mesmo que foi por isso que eu nasci?
-Temos sim, por quê?
-É que eu achei que vocês não tinham usado camisinha.
O silencio constrangedor que tomou conta da sala só foi cortado quando o Pedrinho declarou estar cansado e resolveu ir dormir. Algum tempo depois, já na cama, a Marisa estava sentada, imóvel, com cara de perplexa, tentando entender o que tinha acabado de presenciar. O Júlio, sem esconder um sorrisinho de contentamento com a sacada do garoto, desejou boa noite à esposa e foi dormir. Antes de adormecer ainda comentou:
-E depois ainda dizem que TV a cabo não ensina nada que preste para as crianças...