segunda-feira, 23 de junho de 2008

Essas mulheres incríveis, e suas conversas maravilhosas

Eu tenho o ótimo hábito (ou péssimo, depende do ponto de vista) de ouvir a conversa alheia. É um negócio meio involuntário, mas que proporciona para nós, ouvintes atentos, momentos memoráveis.

Mesmo assim, tem certos diálogos que você só ouve numa semana de São Paulo Fashion Week...

***

-Menina do céu... Você viu o desfile da Gisele?

-Gisele?

-A Bündchen!

-A Magrela?

-Essa mesmo.

-O que é que tem?

-Ela só entrou duas vezes na passarela.

-Sério?

-E ganhou uma fortuna.

-Poxa vida.

-Acredita nisso?

-Ô... Mas ela merece.

-Nada!

-Porque não?

-Tudo fachada.

-Jura?

-Sim.

-Acho que não, hein?

-Te garanto.

-Ela é linda.

-Tudo plástica!

-Tá brincando?

-Te juro. Sabe o nariz?

-O que é que tem?

-Mandou empinar.

-Não pode ser.

-Tô te falando...

-E o olho?

-Lente!

-Putz!

-Até o cílio é postiço.

-Me nego a acreditar!

-Tenho fontes, menina. Aquela ali, se chacoalhar, cai tudo. Se bobear até o cabelo é peruca!

-Gente do céu... To bege!

-Pois é.

-Mas ela tem um corpão.

-Tudo no bisturi minha filha, no bisturi!

-Ah? Pare!

-Família rica. Foi pra faca ainda menina.Gordinha, vesga e orelhuda. Mexeram em tudo. Quase construída em laboratório.

-Mas eu ouvi falar que ela veio de família humilde.

-Tudo boato.

-Até o peitão é fabricado?

-Lógico. Aquela ali tem silicone até na panturrilha.

-Mas eu ouvi falar que os seios dela eram naturais.

-Mentira.

-Tem certeza?

-Tudo marketing!

-Poxa vida... Até o peito?

-Pra você ver...

-E pensar que eu achava ela um modelo de beleza nacional.

-Iiii minha filha: Deus é perfeito, mas tem coisas que só o Pitanguy consegue fazer.

-Esse mundo tá perdido, gente.

-Ô se tá. Não dá pra viver seguindo esse padrão de beleza fútil que é imposto pela sociedade.

-Verdade. Quer um gole da minha Coca?

-É light?

-Lógico!

-Então eu quero.

domingo, 8 de junho de 2008

Histórias insólitas de um dia dos namorados qualquer

Depois de muito refletir, a Tânia chegou a uma decisão: não daria nenhum presente pro Josué no dia dos namorados.

Não, eles não estavam brigados. Explica-se:

A Tânia foi arrebatada pelas opiniões polêmicas e o jeitão sério de falar do Josué. O Josué ficou fascinado pelo olhar atento e a candura inocente da Tânia. Não demorou muito, e eles engataram um romance que os amigos de ambos classificaram como “improvável”. Ela, uma consumista desenfreada. Ele, um idealista, com fortes inclinações ao socialismo.

Mas contrariando todas as apostas, três anos já tinham se passado, e nada do romance enfraquecer. Era uma dupla estranha, mas feliz.

No primeiro dia dos namorados que passaram juntos, ela fez questão de comprar-lhe um belo presente: um relógio, lindíssimo, que tinha lhe consumido quase quatro meses de economia do salário. Era caro, mas segundo ela o investimento valia a pena. Amava o Josué de verdade.

Ele não lhe deu absolutamente nada. Agradeceu, mas argumentou que o dia dos namorados não passava de uma data feita para os comerciantes lucrarem. Que toda aquela aura de romantismo espalhada pela mídia nada mais era do que uma forma deslavada de manipular a classe trabalhadora, obrigando-a a consumir ainda mais. Amava ela, mas não poderia ir contra seus próprios pontos de vista.

A Tânia, apesar de um pouco desapontada, entendeu. Sabia que estava sujeita a situações como aquela. Mesmo assim, no ano seguinte, repetiu o gesto de lhe dar um presente na data. Ele novamente agradeceu, e fez o mesmo discurso, desculpando-se por não lhe dar nada e justificando sua atitude como uma forma de protesto.

No ano seguinte a Tânia resolveu aderir. Era no mínimo um desrespeito de sua parte ir contra os preceitos filosóficos do homem que amava. Se ele achava o dia dos namorados uma data criada com o único objetivo de influenciar o consumismo, teria o seu apoio naquele ano. Ia provar de uma vez por todas que ela entendia o seu namorado.

Mas, ele não entendeu. Quando a Tânia disse que naquele ano não lhe daria nenhum presente, o Josué protestou.

-Poxa amor... Eu achei que você gostava de mim!

-Ué... Você sempre me falou que o dia dos namorados era uma besteira, uma data criada pelos capitalistas para influenciar o consumismo. Só resolvi seguir os seus pontos de vista.

-Mas esses são os meus pontos de vista, não os seus.

-Mas Josué...

-Me deixa sozinho, vai. Por favor.

A Tânia, completamente perdida com a situação, atendeu o pedido do namorado. Quem sabe depois de um tempo a sós ele colocasse a cabeça o lugar.

O Josué, sozinho, cochichava para si mesmo, reflexivo:

-Que traição meu Deus, que traição!

Homens... Quem entende?


***

25 anos de casamento e eles, a Nilma e o Haroldo, nunca tinham deixado de se presentear no dia dos namorados. É verdade que a paixão tinha esfriado um pouco (para não dizer muito) nos últimos tempos, mas aquele gesto de carinho continuava sagrado.

Só que naquele ano algo deu errado.

-Toma amor... É pouquinho mas é de coração.

-Ô Haroldo... Brigada.

-O que é isso, imagina!

Enquanto a Nilma abria o presente, um pacote vermelho cuidadosamente embrulhado, o Haroldo se deu conta do erro terrível que tinha cometido. Aquele não era o embrulho do suéter tamanho GG que tinha comprado no brechó da esquina, mas era...

-Amor?! Uma lingerie??

-Éééé... Sim! Uma lingerie! Gostou?

-Mas Haroldo... Faz quase 15 anos que eu não uso uma dessas.

-Pois é. Mas eu... Eu... Eu achei que seria legal fazer isso, sabe? Para relembrar os velhos tempos!

-Mas ela é muito... Sei lá... Ousada! Isso daqui é totalmente transparente, e faz pelo menos cinco anos em que a gente só transa no escuro, que é para não termos, segundo você mesmo, uma visão desagradável. E o que são esses zíperes aqui? É no mínimo estranho uma mulher da minha idade usar uma coisa dessas.

-Não diga isso. Você está... Super em forma!

A Nilma estava desconfiada.

-Tá, ok. Mas você não acha que ela vai ficar um pouquinho apertada?

-Ah... Imagina! Acho que serve sim.

-Haroldo: eu não conseguiria entrar numa dessas nem antes da gente ter se cassado, quanto mais agora. É muito pequena para mim...

-Lógico que não. É que o... O... O modelo dela é assim mesmo, é feita pra ficar bem colada no corpo. Para realçar suas “curvas”.

-Curvas? Eu vou ficar parecendo uma ogiva nuclear. Não dá pra entrar! É fisicamente impossível.

-Sério? Bem, devo ter me confundido com o tamanho. Você sabe como eu sou ruim com essas coisas.

-Haroldo, fala a verdade: esse presente não era para mim, não é?

Ele fez cara de ofendido.

-Como assim? Como é que você tem coragem de insinuar uma coisa dessas Nilma? Ô Nilma... É esse o juízo que você faz de mim?

-Não sei. Sinceramente não sei. Eu achei que o homem que estava casado comigo a tanto tempo iria no mínimo deduzir que eu não entraria numa lingerie vermelha tamanho M desde a década de 80.

-Ok, eu errei. Desculpe. Deve ter sido um lapso momentâneo.

-Sei...

-Um homem apaixonado não pode se confundir de vez em quando, hein? É crime querer agradar a própria esposa, tentar reascender a chama do amor que está se apagando cada dia mais?

A Nilma resolveu relevar a situação. Afinal de contas, o Haroldo era o Haroldo.

-Ok Haroldo, ok. Obrigado pelo presente. Mas eu vou ter que ir trocar isso na loja.

-Tá bom. Sem problemas amor.

O Haroldo suspirou aliviado, mas agora tinha novos problemas. Teria que explicar pra Manoela, a verdadeira dona da lingerie, que ela teria que esperar um pouco mais para receber o seu presente. Isso sem contar que a partir de agora, todas as suas supostas saídas com os amigos seriam supervisionadas de perto pela dona Nilma. Todo cuidado seria pouco.

Mas o pior nem era isso. Chato mesmo seria ter que observar a patroa na lingerie que ele tinha lhe dado por engano. Mas ele ainda tinha esperança:

-Quem sabe, se eu sugerir, eu convença ela a trocar a lingerie por um chambre ou umas pantufas?

***

-Uma batedeira?

-Ué, não gostou?

-Claro que não!

-Mas a vendedora me garantiu que era a melhor que tinha. Ela tem quatro velocidades diferentes e...

-Eu lá tenho cara de quem gosta de receber eletrodomésticos num dia dos namorados, Armando?

-Mas veja bem: é um item doméstico importante.

-Essa não é uma data pra isso. E nós somos namorados. A gente nem vive junto. Pra que cargas d’água eu vou usar uma batedeira? Eu nem pudim de caixinha sei preparar!

-Eu ia te comprar um vestido, mas sei lá... Achei que você ia gostar da batedeira!

-Pelo amor de Deus, né Armando? Vê lá se isso é coisa que se dê de presente.

-Mas dá pra trocar. Se você quiser, a moça falou que você pode pegar um liquidificador, um ferro de passar ou um espremedor de laranjas em troca.

-Puta que pariu Armando!

-Que foi que disse?

-Você não tem noção nenhuma, não é?

-Desculpe. É que eu fiquei nervoso. É o nosso primeiro dia dos namorados juntos. Eu sou péssimo em dar presentes. Fiquei inseguro. Achei que você ia gostar.

-Ok, desculpe. Eu sei que você não fez por mal. Homem sempre é, sem ofensa, meio ignorante pra presentear mulher.

-É, eu sei. Desculpe. Prometo que vou comprar alguma coisa do seu agrado.

-Não precisa.

-Precisa sim, eu insisto. É o nosso primeiro dia dos namorados juntos, tenho que caprichar.

-Você que sabe.

-Imagina, faço questão. A batedeira eu dou pra mim mãe, sei lá.

-Então tá... Ah sim: toma o seu presente. Feliz dia dos namorados!

-Ô amor, não precisava...

-Lógico que precisava.

-Hehehe. Obrigado mesmo. Vamos ver o que é...

-Algum palpite?

-Não sei. Pelo tamanho do pacote, pequenininho, deve ser alguma coisa cara.

-Mais ou menos.

-Deve ser um... Um... Ah... Puxa... Um par de meias...

-E então? Gostou??

-Ô!

-Pois é... Tinha certeza que você ia gostar. É de lycra.

-Sério? Bacana...

-E então? Não vai experimentar?

-Não precisa não... Tenho certeza que vai servir.

-Que foi? Você parece tão desanimado.

-Não, não... Impressão sua.

-Já sei: deve estar chateado por não ter acertado o presente para mim. Não fica assim amor... Nem todo mundo sabe escolher algo bacana. Mas isso não quer dizer nada. Nem todos são tão bons nisso quanto eu.

O Arnaldo deu um sorriso amarelo. Pensou em dizer o que sentia, mas deu de ombros, afinal de contas, coitada, ela certamente não agüentaria a verdade. É como dizem: "os grandes romances não são feitos pelas declarações de amor proclamadas aos quatro ventos, e sim pelos impropérios guardados a sete chaves."

-Pois é amor... Pois é!

E viveram felizes para sempre.