terça-feira, 20 de outubro de 2009

Epitáfio

E eis que aqui acaba o Eu Não Sei Fazer Poesia.

Sim: este é o último “capítulo” deste modesto blog que nasceu numa manhã tediosa de sábado, e morreu em uma das muitas tardes e noites corridas dos últimos 13 meses.

É bom que se diga: este (ainda) não é o fim de minhas pretensões no ramo das crônicas ruins. Apenas irei “mudar de endereço”. O motivo? Depois de refletir durante algum tempo, concluí que “Eu Não Sei Fazer Poesia” marcou um ciclo da minha vida. Um ciclo que já acabou.

O blog, nascido apenas do desejo narcisista de um rapaz que gostaria de ser lido por alguns amigos e eventuais desconhecidos, cresceu meio desordenado, irregular. Foram quase dois anos de postagens, com textos criados a partir de idéias meio descabidas que, segundo a exótica visão deste que vos fala, poderiam render histórias supostamente engraçadas.

É bem verdade que este espaço não nasceu com o objetivo claro de abrigar apenas minhas crônicas-cretinas. Seria um site pessoal de variedades, de desabafos... Mas a idéia nunca vingou. Resolvi me ater apenas aos textos mais humorísticos. Se é que mais alguém além de mim tinha um senso de humor tão esquisito.

A verdade é que, mesmo tendo um bocado de vergonha de uma porção de coisas que escrevi, ainda tenho um orgulho danado deste humilde blog, principalmente se levar em conta que fui presenteado com a visita de vários amigos, e que conheci muita gente interessante graças a ele. E, salvo alguns casos onde eu fiz uma pressão psicológica pedindo para ser visitado (ah, a vaidade...), a maioria dos leitores passou aqui por vontade própria, o que, admito, deixou-me assaz orgulhoso.

Mas já era a hora de terminar. O “Eu Não Sei Fazer Poesia” passou tempo demais parado. Gangrenou.

No entanto, como ainda bate em minha consciência uma vontadezinha persistente de continuar cultivando minhas abobrinhas literárias, decidi por bem dar uma segunda chance ao meu espírito blogueiro.

Sendo assim, anuncio que a partir de agora passarei a escrever no blog Pois Zé (www.pois-ze.blogspot.com), minha mais nova empreitada no ramo dos blogs ruins e dispensáveis que existem aos montes por aí. A fórmula será praticamente a mesma deste espaço: crônicas, e eventuais postagens sobre alguma coisa interessante que por ventura me chamar à atenção.

Pois bem: dito isso, é chegada a hora de encerrar as atividades desta birosca.

Aos amigos que prestigiaram este espaço, meu sincero muito obrigado. O carinho e a receptividade de vocês serão sempre lembrados.

Até breve!

P.s.: eu ainda não aprendi a fazer poesia...


VISITEM:

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Danilinho

No começo ele chegou a pensar que era um assalto. Caminhava pela rua quando foi agarrado pelo pescoço numa chave de braço digna de medalha olímpica se estivsse na disputa de luta greco-romana. Quando finalmente conseguiu se desvencilhar do ataque, se deu conta que quem tinha lhe agarrado não era um bandido. Pelo menos não um bandido qualquer: tratava-se de uma loira alta, esguia, que exibia um sorriso de felicidade escancarado. Uma visão tão deslumbrante que lhe fez engolir seco as dúzias de impropérios que iria desferir assim que fosse solto.

-Danilinho!!! Eu não acredito que é você! – Gritou a moça, visivelmente comovida com o encontro.

Mas nem ele acreditou, já que o seu nome era Felipe, não Danilo. Aliás, numa rápida análise de memória, se deu conta de que nem ao menos conhecia alguém com aquele nome. Também nunca tinha visto antes aquela loira de atributos generosos, tinha certeza. Era bom fisionomista. Jamais esqueceria um rosto (e um corpo) como aquele.

Obviamente tratava-se de um engano. Devia ser parecido com o tal de Danilinho, que provavelmente era um velho amigo dela do passado. Quer dizer: não deveria ser só um "velho amigo", e sim um "grande amigo". Dava para ver em seu rosto. Sua empolgação era tamanha, que parecia estar diante de um tesouro recém descoberto.

Era uma pena, mas teria que explicar que não, ele não era o Danilinho. E olha que, naquelas circunstâncias, ele bem que queria ser. Praguejou em pensamento: “Se não bastasse eu estar sozinho, ainda tenho que dispensar uma obra de arte dessas. É muita ironia do destino!”

No entanto, quando ia desfazer o equívoco foi contido por outro abraço da loira sorridente. Ficou sem ação. Sua cabeça pedindo para explicar a situação de uma vez, mas seu corpo estagnado.

-Caramba! Eu não acredito que é você! – Disse a moça, com os olhos marejados.

-Na verdade acho que a senhorita está...

-Você lembra-se de mim, né?

Ele ainda tentava assimilar a situação. Não era todo dia que uma mulher daquelas se atirava, literalmente, no seu pescoço. Duas vezes. Pior ainda: ela lhe observava com cara de criança pidona à espera de um “sim, eu lembro de você”.

Aqueles olhos verdes, esperançosos por uma resposta positiva, e ele ali, prestes a acabar com tudo.

Talvez fosse o Sol forte na nuca, ou aqueles lábios reluzentes trêmulos de expectativa, mas ele não conseguiu dizer não.

-Mas é claro que eu lembro de você!

Foi pego de surpresa com a própria resposta. Não era homem de enganar ninguém, muito menos de ficar flertando com uma moça que jamais tinha visto antes. “Ai meu Deus, o que foi que eu fiz?”, pensou ele já meio arrependido.

-Aiiii Danilinho! Que bom! Você não sabe da saudade que eu sentia de você. – Disse ela, abraçando-o novamente.

Mais um abraço daqueles e ele admitiria ser até a Cleópatra se ela pedisse. Aqueles braços delicados em volta de seu pescoço, os seios fartos repousados contra seu peito, aquele corpo voluptuoso e macio como seda junto ao dele, o perfume doce que inundava seu olfato... Não dava para resistir. Os sentidos sucumbiram à razão. Era seu dever cívico levar a conversa adiante.

Ainda empolgada, ela carregou-o pela mão até a mesa de uma cafeteria que ficava do outro lado da rua. Um encontro daqueles, mesmo inesperado, merecia um diálogo de verdade.

Sentaram-se. Ela pediu um cappuccino, só para ter um álibi para usar a mesa. Ele, para acompanha-la, um café.

-Quanto tempo, né? – Disse ela, sem tirar o enorme sorriso da cara.

-Ô! Bota tempo nisso. – Respondeu ele ainda meio sem jeito.

-Fazem o quê? 15 anos?

-É... É... Acho que fazem sim.

-Nossa! O que a gente aprontou naquele colégio, né?

-É... No colégio! Aprontamos horrores.

-Você sempre metido em confusão e eu sempre salvando a sua pele.

-É, né?

-Eu era santinha, até conhecer você.

-Pois é.

Não tinha o que dizer. Como dialogar sobre o passado com alguém que não se conhece? Usava apenas respostas evasivas, tentando fazer com que ela soltasse alguma pista com que pudesse trabalhar.

-Lembra daquela vez em que a gente botou chiclete na cadeira da professora?

-Acho que lembro, sim!

-Lógico que lembra. Tem que lembrar. Foi você que insistiu pra gente fazer aquilo. Aliás, você sempre me convencia com aquela sua lábia.

-É, né? Eu era... Terrível!

-Como era mesmo o nome daquela professora? Só sei que era bem engraçado.

-Bozolina?

-Não... Não era isso! Mas você devia lembrar. Você tinha fama de ter memória de elefante.

-Eu? Imagina.

-Tinha sim... – Neste instante o garçom trouxe os pedidos: o cappuccino dela e o café dele. Ela questionou. – Aliás, se bem me lembro, você não bebia café.

Sentiu que estava prestes a ser desmascarado. Desconversou.

-Muita coisa mudou de lá pra cá.

-Discordo. Você, pelo menos por fora, não mudou nadinha. Tá a cópia exata do cara que era da última vez que te vi. Até parece que o tempo não passou para você.

-O que é isso, imagina! Você sim está ótima. Linda como sempre.

Parecia impossível, mas ela conseguiu sorrir com ainda mais intensidade depois do elogio, fazendo o Felipe concluir que tinha tomado a decisão certa ao dizer ser quem não era. Só aquele sorriso já tinha recompensado com sobras sua ousadia.

-A gente era tão amigo, lembra?

-Claro que lembro... Éramos... Sei lá... Inseparáveis.

-Eu te contei todos os meus segredos. Era a única pessoa em quem eu confiava. Você era o meu porto seguro.

-Pois é. Mas eu também te contava meus segredos.

-Contava nada. Dizia que eram coisas pesadas demais pra compartilhar comigo. Típica desculpinha esfarrapada.

-Ah, é? Tinha esquecido disso.

-Lembra daquelas tardes em que passamos embaixo daquele pé de ipê no quintal de minha casa, papeando sem parar?

-Lembro.

-Lembra como a gente gostava de ficar deitado na grama até bem tarde para contar as estrelas?

-Lembro.

-Lembra daquele esconderijo secreto que a gente tinha lá perto da sua casa, onde volta e meia a gente visitava só pra poder ficar sozinho e conversar?

-Lembro.

-Pois é. Fazíamos uma bela dupla.

-É... Uma dupla do Barulho.

-“Danilinho e Sandrinha, os terríveis!”, era assim que chamavam a gente, tá lembrado?

Sandra, vulgo Sandrinha. Finalmente tinha descoberto o seu nome. Se bem que o diminutivo não tinha qualquer validade. Não existia nada de “inho” nela. A Sandra era “ão”, dos pés à cabeça.

-Como é que eu poderia me esquecer? Foi uma época tão feliz.

-Para mim também, sabia? Juro pra você que eu acho que foi uma das melhores da minha vida. Mas o mundo da voltas. A gente cresce, e perde contato com as pessoas.

-Pois é.

-Mas agora o destino nos pôs de volta um no caminho do outro. Não vou te perder mais de vista. – Neste instante, ela delicadamente pegou em suas mãos e olhou no fundo de seus olhos.

-Nem eu, nem eu... – Disse o Felipe, tentando retomar os próprios batimentos cardíacos.

-Sabe... Quando eu te vi... Sei lá! Não me controlei. Tinha certeza que era você, por isso te agarrei daquele jeito, pelo pescoço. Percebi que você ficou meio sem jeito. Desculpe se te dei um susto.

-Não tem problema. Admito que me assustei um pouco na hora. Mas foi um susto bacana. O mais lindo que eu já tive. – Retrucou ele, deixando-a visivelmente encabulada com a frase.

Ele vibrou com o próprio flerte. Podia ser só coisa da sua cabeça, mas sentia que existia mais do que nostalgia na voz da moça que lhe confundira com outro homem. Ela parecia fascinada. Era como se tivesse algum tipo de sentimento mal resolvido entre ela e o velho amigo que ele fingia ser.

-Você, hein? Sempre um galanteador, né Danilinho?

-O que eu posso fazer? Você causa isso nas pessoas. Só estou relatando o que vejo.

-Não foi o que você me disse há 15 anos, lembra?

-Como?

-Você sabe que eu era louca por você.

-Sei??

-Claro que sabe... Lembra que poucos dias antes da gente terminar o colégio, eu te pedi em namoro?

-Pediu??

-Até cheguei a pensar que você ficou meio bravo comigo, na época. Fiquei mal e tudo mais. Foi um peso na consciência que carreguei comigo por todos estes anos. Você não ficou bravo, ficou?

O Felipe mal podia acreditar. Estava diante de uma das mulheres mais deslumbrantes que tinha visto em toda vida, e ela tinha acabado de admitir que era apaixonada por ele desde menina. Quer dizer: por ele não. Por um cara muito parecido com ele. Mas isso era só um detalhe.

-Claro que não. Por que iria ficar chateado com você?

-É que, sei lá. Na época você pareceu ter ficado. Disse que não queria namorar comigo, que não queria estragar nossa amizade. Você foi gentil, mas achei que tinha se zangado por eu ter tomado a iniciativa de tentar algo mais sério.

O Felipe não pôde deixar de praguejar o Danilinho em pensamento. Como é que um homem em sã consciência poderia negar um pedido de namoro de uma mulher daquelas?

-Eu jamais faria isso. Você sempre foi importante para mim. – Disse ele, modulando sua voz para o estilo “cantor de bolero”, deixando-a ainda mais sem jeito.

-Ai, Danilinho!

“Dane-se o bom senso”, pensou o Felipe. Aquílo não era coincidência, aquílo era o destino! Sim, o destino. Situações como aquela não aconteciam à toa. Alguma coisa deveria ter colocado ele ali para corrigir aquela injustiça, para saldar a dívida que o frouxo do Danilinho não tinha quitado no passado. Era seu dever terminar o que um dia aquele canalha tinha começado. Era questão de justiça fazer a Sandrinha feliz... Pelo menos era o que ele diria a si mesmo se sua consciência ficasse pesada.

-Mas, olha: quer saber? Você fez a coisa certa quando não aceitou o meu pedido. – Disse ela, tentando desconversar.

-Não. Eu estava errado.

-Errado? Como assim?

-Eu errei. Ficar com você teria sido a coisa certa.

-Sério, Danilinho?

-Não teve um só dia durante todos estes anos em que eu não tivesse me arrependido daquela decisão, Sandrinha.

-Ai, Danilo! Não brinque com uma coisa dessas. Você não sabe como foi difícil para mim te esquecer e...

-Pois a partir de hoje você não precisará mais me esquecer. Poderá me guardar para sempre em seu coração. – Disse o Felipe, para em seguida tomar a Sandrinha nos braços e beijá-la longamente.

***

Horas mais tarde, no apartamento da Sandrinha, o Felipe se distraía fazendo planos para o futuro enquanto observava a loira deslumbrante que tinha lhe agarrado na calçada dormindo nua na cama do quarto, com um inconfundível sorriso de felicidade entre os lábios.

No dia seguinte, durante o café, explicaria para ela a situação. Diria que não era o Danilinho, e sim o Felipe, um leonino de 27 anos que trabalha como contador. Um paranista, solteiro, que gosta de ler revistas em quadrinhos e jogar vídeo-game nas horas vagas. Em síntese: um partidão.

Se ela por ventura não gostasse da revelação (hipótese bastante improvável na visão dele), explicaria que ficou comovido com a situação da moça, e que iria se sentir um canalha se tivesse que lhe dizer que não era seu amigo dos tempos de adolescência. Diria que era um cara altruísta, do tipo que não pode ver ninguém sofrendo, que já quer ajudar. Além do mais, iria fazê-la feliz, como o tapado do antigo colega (que segundo ele era um safado de marca maior por ter “‘enganado’ ela durante todos aqueles anos de convívio, lhe dando falsas esperanças”) jamais faria.

Ela certamente haveria de entender a situação e perdoá-lo.

Naquele instante, a Sandrinha acordou. Com muito custo, abriu discretamente os olhos, se espreguiçou, e com um sorriso nos lábios perguntou:

-Você não vem dormir? Está tão gostoso aqui...

-Já vou meu anjo, já vou.

Ainda reflexivo, cochichou baixinho, para si mesmo:

-Danilinho, Danilinho... Você deveria me agradecer!

E foi deitar.

Piada

É oficial: o melhor programa de humor da TV brasileira chama-se “horário eleitoral gratuito”.

É impressionante a capacidade que os postulantes a cargos públicos têm de passar ridículo em TV aberta só para chamar a atenção do povo. Mais impressionante ainda é como os publicitários envolvidos nas campanhas permitem que estas pessoas cometam atrocidades ao bom senso.

Chego a imaginar que certas coisas são até incentivadas...

-Eu pensei numa rima pra dizer durante o meu tempinho.

-Sério senhor Valdeci? Vamos ouvir!

-“Valdeci, esse é dos bão!”

-Ummm... Bacana. Só não rimou!

-Ah não? Bem que minha filha tinha me dito isso.

-Mas serve de slogan.

-Ah é?

-Serve sim. Muito original, inclusive.

-Sério? Fui eu mesmo que fiz.

-É, percebi.

-E quanto as minhas propostas?

-Que propostas?

-Minhas propostas de campanha pra falar na TV.

-Nossa! O senhor tem propostas?

-E não era para ter?

-Na teoria era, mas ninguém traz. É supérfluo. Além do mais, o povo gosta mesmo é do espetáculo.

-Espetáculo?

-Sim. O senhor sabe fazer careta?

-Careta?

-É. O povo gosta disso.

-Sério?

-Claro! O slogan e uma careta. Sucesso na certa.

-Será que dá certo?

-Claro que dá. A democracia é isso, amigo. Tenho anos de experiência.

-Bem... Já que você está dizendo...

-Ótimo! Esse é o espírito. Vamos lá, me mostre o que pode fazer.

-Tá jóia, lá vai...

-Razoável. Tente esticar mais a boca.

-Só vai até aqui.

-Entendo. É... Não vai ter jeito. Produção!! Tragam a barba postiça!

Não me levem a mal: acho extremamente triste ver como somos tratados como idiotas por boa parte dos políticos, e mais triste ainda: como muitas pessoas ignoram (ou simplesmente não enxergam) isso, e depositam seus votos nestas pessoas. No entanto, não tem como não rir da nossa própria desgraça. É como uma daquelas piadas de humor negro: a gente sabe que não deveria, mas gargalha assim mesmo com a situação.

Tem que rir para não chorar.

domingo, 27 de julho de 2008

Estômago

O Everson era uma espécie de lenda entre os amigos. Quando se reuniam em busca de diversão, era ele quem comandava as hordas bárbaras de beberrões com a autoridade de um general em combate. Dava ordens aos garçons, administrava e distribuía os aperitivos, e bebia tal qual um possante de oito cilindros num posto de gasolina. Um “Genghis Khan” do boteco, como era conhecido informalmente.

Ninguém ali era capaz de fazer frente ao espírito kamikaze do rapaz, que tinha em seu currículo boêmio comas alcoólicos suficientes para registrar em catálogo. Alguns, inclusive, dignos de admiração pelos demais colegas.

-Lembra daquele porre do Everson?

-Se eu lembro? Fui eu quem tive que levar ele pra casa, tá lembrado?

-Como será que ele conseguiu, hein? Nunca tinha visto ninguém beber tanto.

-Vai por mim... O Everson é um fenômeno. As cervejarias deveriam construir estátuas a ele em praça pública como forma de agradecimento.

Mas um dia tudo mudou.

O Everson mal tinha consumido a primeira dúzia de garrafas de cerveja quando sentiu uma fisgada no estômago. À medida que o tempo passava a sensação ruim piorava. Uma ânsia cada vez mais incontrolável ia, sorrateira, vencendo seu autocontrole. Não demorou muito para que a situação ficasse insustentável. Sem alternativa, correu para o banheiro, onde, segundo ele próprio, só não vomitou a própria alma porque felizmente ela não era liquida.

Mesmo a contragosto aceitou a sugestão de passar alguns dias afastado dos eventos etílicos promovidos pela galera. Afinal de contas, tanto abuso no decorrer dos anos certamente teria seu preço, nem que esse fosse o de passar algum tempo longe do bar.

Na semana seguinte, já aparentemente recuperado, foi ao encontro dos colegas. Mas a tão aguardada volta triunfal parou nos primeiros goles. A sensação ruim não só voltou, como dessa vez as conseqüências foram ainda mais vorazes. Foi levado para casa às pressas, antes que a situação ficasse pior, e que o banheiro do local fosse permanentemente interditado.

Inconformado, perguntou a si mesmo o que estava acontecendo. Nunca tivera tido aquele tipo de “frescura” antes.

Insistente, continuou tentando sistematicamente reassumir o controle sobre o seu estômago... Em vão. A coisa piorara a tal ponto, que até o cheiro de uma bebida qualquer lhe causava asco.

Depois de algumas semanas de golfadas persistentes e incontroláveis, contrariou seus próprios princípios e resolveu ir a um médico.

Exames e mais exames chegaram ao mesmo diagnóstico: ele estava absolutamente saudável.

-Mas doutor... Eu nem posso chegar perto de uma bebida com um pouquinho de álcool que eu começo a passar mal. Tem que ter alguma coisa fora do lugar!

-Acredite: você está mais saudável do que a maioria das pessoas por aí.

-Não tem de errado nada mesmo?

-Nada!

-Nem no estômago, no fígado... Sei lá!

-Não, tudo em ordem.

-Nem uma cirrosezinha?

-Olha: pelo que você me descreve, isso é absolutamente psicológico.

-Mas não tem sentido.

-Pois é. Mas só pode ser isso. Fisicamente você está em perfeitas condições.

A coisa era pior do que ele imaginava. Se um beberão que não conseguia nem ao menos ser repreendido pelo médico era motivo de vergonha, que dirá então um que era classificado como “saudável”... Era a humilhação suprema.

Desesperado, partiu em busca de uma cura para sua insólita “maldição”.

Psicólogos, psiquiatras, gastroenterologistas, videntes, pais-de-santo... Todas as alternativas possíveis de melhora foram buscadas, fossem elas ortodoxas ou não. No entanto, nenhuma surtiu resultado.

Resignado, concluiu que seu estômago tinha se tornado uma espécie de “chacota divina”, uma prova inexorável que Deus não só tinha um senso de humor bastante peculiar, como adorava fazer uma piada. Afinal de contas, quer algo mais irônico do que um boêmio de pedigree que não consegue mais beber, por mais saudável que ele estivesse?

O Todo Poderoso deveria estar lá em cima, rindo pra valer da própria anedota.

Vez por outra ele ainda comparece aos encontros promovidos pelos colegas, apenas como espectador. Mas não é a mesma coisa. Descobriu que ser o único são numa mesa de bar tira toda a graça da brincadeira.

Hoje o Everson é um outro homem: vive uma vida regrada, só toma água, come apenas alimentos saudáveis, perdeu peso, arranjou uma bela namorada, passou a aproveitar melhor seu tempo, prosperou profissionalmente e etc, etc, etc...

Mesmo assim, há quem diga que às vezes é possível encontrá-lo num canto qualquer, chorando feito criança, com saudades de seus tempos de boêmio.

Pobre Everson... Que mundo cruel!

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Ódio

Conheceu-a numa festa. Tinham uma amiga em comum que lhes apresentou um ao outro, achando que a dupla combinava. Mas ele não achou. Não era feia, mas tinha algo nela (nem ele sabia dizer o que) que tinha lhe despertado uma intolerância ímpar. Não era nem antipatia. Odiou-a de uma vez.

Semanas mais tarde, por uma dessas ironias do destino, descobriu que não só trabalhavam na mesma empresa, como dividiriam o mesmo setor. Os cargos eram parecidos, e exigiam colaboração mútua.

A convivência diária só fez aflorar ainda mais repugnância de sua parte para com ela.

Odiava o jeito que ela lhe dizia “bom dia” pela manhã. Odiava a forma como sua voz esganiçada tomava conta de todo o ambiente inundando seus ouvidos. Odiava seus comentários a respeito de qualquer coisa, fosse um assunto ligado ao trabalho ou não. Odiava sua pretensiosidade oculta, seu ego inflado que fazia questão de esconder de todos com falsos sorrisos inocentes. Odiava a maneira paciente com que lhe dava conselhos técnicos sobre a empresa, tratando-o como um ignorante qualquer. Odiava o seu olhar moralista que parecia sempre fazer questão de analisá-lo após cada atitude. Odiava a simpatia complacente e consoladora que manifestava, quase que por pena, após suas falhas. Odiava suas congratulações efusivas, obviamente falsas, após cada um de seus acertos. Odiava a maneira com que ela agia nas negociações do trabalho, dando sempre a entender que não confiava nele. Mas, acima de tudo, odiava ouvir dos demais colegas que eles faziam uma grande dupla, e que a empresa tinha conseguido ótimos resultados graças ao esforço conjunto deles. Odiava ter que dividir os seus méritos com aquela mulher.

Um dia (por pura formalidade, deduziu) ela o convidou para um encontro com alguns conhecidos. Sentiu náuseas quando ouviu o convite. Odiava pensar na hipótese de ter que transformar sua noite de descanso numa tortura semelhante a que tinha todos os dias durante o horário de trabalho. No entanto, odiava ainda mais dar a ela a oportunidade de classificá-lo como um chato que vivia enclausurado em casa.

Aceitou o convite.

Encontraram-se num bar ele, ela e uns conhecidos. Pediram umas cervejas e começaram a conversar. Odiava ter de escutar seus comentários fúteis. Odiava a forma irônica com que defendia seus argumentos, quase que desmoralizando seus parceiros de conversa. Odiava o sorriso entreaberto de satisfação que manifestava após cada colocação bem sucedida.

Entediado, tentou puxar assunto com os outros colegas de mesa, mas não conseguiu. Odiava a forma como ela falava alto e monopolizava as atenções. Tentou deixa-la sem argumentos, ousou questiona-la. Foi vencido. Odiava admitir que ela tinha se mostrado mais esperta que ele. Lhe odiava ainda mais por isso.

Sem ter o que fazer, passou a observá-la, como que tentando encontrar alguma coisa digna de empatia, mesmo apostando com si mesmo que isso era impossível.

Não encontrou.

Odiava o seu cabelo: liso, bicolor e cheio de pontas duplas. Tão opaco quanto os seus olhos negros. Odiava a geometria de seu rosto, que era plano, quase que esquadrinhado numa prancheta. Odiava seu corpo esguio, sem grandes atrativos exceto os seios, cujo tamanho avantajado destoava do resto de seu corpo. Gostava de seios, mas odiava corpos desproporcionais. Odiava a forma com que caminhava, quase que rebolando, numa marcha semi-ritmada que se fosse de outra pessoa talvez que despertasse risos, mas que no caso dela só lhe gerava ainda mais antipatia. Odiava também a forma com que usava as mãos de forma expansiva e escandalosa para gesticular enquanto falava. Só não odiou o fato de constatar que não existia nada nela que não lhe irritasse. Odiaria descobrir que estava errado.

Já em casa, tentou dormir, mas o sono não vinha. A voz chata da colega de trabalho ecoava em sua cabeça como um arranhar de unhas num quadro negro. Odiava lembrar do dia horrível e humilhante que tinha tido graças a ela. Odiava imaginar que teria que encontrá-la novamente pela manhã.

Ódio. Puro e simples ódio.

Perguntou a si mesmo porque ela o incomodava tanto. Sua intolerância transcendia os limites normais que conhecia. Odiava sua personalidade, sua aparência, seus conhecimentos... Sentia-se fraco diante de tanta repulsa.

Refletiu, refletiu e refletiu.

Concluiu que nunca tinha tido um sentimento tão forte, mesmo ruim, por ninguém antes. Odiá-la, de certa forma, dava um sentido a sua vida.

Devia ser amor.

Namoraram, casaram-se e tiveram três filhos... Mas ele continuou odiando-a secretamente durante todos aqueles anos. Odiava sua comida, odiava o sexo com ela, odiava acordar ao seu lado todos os dias, odiava ver a forma como ela educava os filhos, odiava ouvir suas histórias, odiava dividir um mesmo teto com ela...

E, acima de tudo: odiava admitir, mas faziam um belo casal.

Farsante 1

À pedido de algumas de minhas fervorosas e histéricas fãs (a Ju, a Anna e a Bia, mais precisamente), venho por meio desta postagem publicar dois dos momentos mais constrangedores de minha vida: minhas aventuras no ramo da atuação.

No ano passado tivemos uma atividade na faculdade que se consistia na elaboração de uma história que deveria ser interpretada. Uma espécie de “novelinha”, bem simples, com o objetivo teórico de exercitarmos a linguagem áudio-visual. Já nesse ano, tivemos a “simples” tarefa de produzir um curta-metragem. Olhando assim parece fácil, né? Vão tentar fazer um pra vocês verem o que é bom pra tosse...

E, nessas duas oportunidades, adivinhem pra quem sobrou a tarefa de “pagar o king-kong”? Se você pensou neste blogueiro charlatão, acertou em cheio.

Eu morro de vergonha de aparecer em frente às câmeras. Para se ter uma idéia, sou o fotógrafo oficial da família, tamanho o meu pavor em dar as caras. Sendo assim, deve ser fácil para vocês entenderem os motivos de minha resistência em mostrar isso.

Eu sei que vou me arrepender disso, mas postarei o primeiro vídeo (a historinha) hoje e o segundo quando conseguir “upar” o curta-metragem (o arquivo é grande e minha internet funciona movida à carvão).

A sinopse é simples: um homem embriagado (entenda-se como um bêbado caindo pelas paredes) tenta abrir a porta de casa. Performance digna de Framboesa de Ouro.

Ah sim: o aspecto deprimente e mulambento do bêbado não faz parte do personagem. É que eu geralmente sou assim...

Enfim: divirtam-se... Ou não!


P.s.: satisfeitas agora, meninas? Hunf!!

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Essas mulheres incríveis, e suas conversas maravilhosas

Eu tenho o ótimo hábito (ou péssimo, depende do ponto de vista) de ouvir a conversa alheia. É um negócio meio involuntário, mas que proporciona para nós, ouvintes atentos, momentos memoráveis.

Mesmo assim, tem certos diálogos que você só ouve numa semana de São Paulo Fashion Week...

***

-Menina do céu... Você viu o desfile da Gisele?

-Gisele?

-A Bündchen!

-A Magrela?

-Essa mesmo.

-O que é que tem?

-Ela só entrou duas vezes na passarela.

-Sério?

-E ganhou uma fortuna.

-Poxa vida.

-Acredita nisso?

-Ô... Mas ela merece.

-Nada!

-Porque não?

-Tudo fachada.

-Jura?

-Sim.

-Acho que não, hein?

-Te garanto.

-Ela é linda.

-Tudo plástica!

-Tá brincando?

-Te juro. Sabe o nariz?

-O que é que tem?

-Mandou empinar.

-Não pode ser.

-Tô te falando...

-E o olho?

-Lente!

-Putz!

-Até o cílio é postiço.

-Me nego a acreditar!

-Tenho fontes, menina. Aquela ali, se chacoalhar, cai tudo. Se bobear até o cabelo é peruca!

-Gente do céu... To bege!

-Pois é.

-Mas ela tem um corpão.

-Tudo no bisturi minha filha, no bisturi!

-Ah? Pare!

-Família rica. Foi pra faca ainda menina.Gordinha, vesga e orelhuda. Mexeram em tudo. Quase construída em laboratório.

-Mas eu ouvi falar que ela veio de família humilde.

-Tudo boato.

-Até o peitão é fabricado?

-Lógico. Aquela ali tem silicone até na panturrilha.

-Mas eu ouvi falar que os seios dela eram naturais.

-Mentira.

-Tem certeza?

-Tudo marketing!

-Poxa vida... Até o peito?

-Pra você ver...

-E pensar que eu achava ela um modelo de beleza nacional.

-Iiii minha filha: Deus é perfeito, mas tem coisas que só o Pitanguy consegue fazer.

-Esse mundo tá perdido, gente.

-Ô se tá. Não dá pra viver seguindo esse padrão de beleza fútil que é imposto pela sociedade.

-Verdade. Quer um gole da minha Coca?

-É light?

-Lógico!

-Então eu quero.