segunda-feira, 23 de julho de 2007

Miguxês

Para surpresa dos amigos, conhecidos e familiares a Paula voltou do período de férias na praia namorando. Foi um choque, até para a própria Paula. Ela que sempre tinha sido a careta da família, tinha encontrado um cara legal no lugar que ela julgava ser o mais improvável possível, e em pouco mais de uma semana de carícias e juras de amor, passou a namorar firme.

Aos amigos, explicou que conheceu o Juliano, vulgo “Ju”, na beira do mar enquanto esse jogava vôlei de praia com os amigos. Ela tomou uma bolada, reclamou, mas pouco depois se viu encantada com o jeito meigo e com o efusivo pedido de desculpas do rapaz que tinha lhe acertado. Mais tarde o Ju chegou a admitir que tinha sacado a bola de propósito em sua direção, só para ter um motivo para conversar com aquela linda moça. Ela achou o gesto lindo, e no fim do dia já tinha dado o primeiro beijo no rapaz. Um recorde se tratando da Paula.

Segundo ela, ele era simples, bonito e, olha só, até um pouquinho inteligente. Já tinha perdido as esperanças de encontrar um homem assim. Se sentia eufórica com a descoberta que tinha feito. Estava gostando de um cara, gostando pra valer. Ele tinha lá seus defeitos, era verdade, mas não era nada digno de decepção de sua parte. Fazia tempo que isso não acontecia.

Os amigos, acostumados com o jeito Paula de ser, foram taxativos: cedo ou tarde, ela acharia um defeito e tudo estaria acabado. Nos bastidores, uma pequena bolsa de apostas foi feita à espera do motivo que a levaria ao fim do namoro. Quando soube, ela ficou escandalizada. Disse que todos quebrariam a cara. Aquílo era um amor sincero, amor de verdade. Além disso, segundo ela, já tinha convivido suficientemente com ele para afirmar que o conhecia a fundo. Ledo engano...

A ficha de Paula começou a cair dois dias depois que ela voltou de férias. O Ju continuou mais uns dias na praia, e eles ficaram de matar as saudades um do outro por e-mail, até ele voltar pra casa e poder ligar para ela como mandava o figurino.

Ansiosa pelo contato, acampou na frente do computador à espera de um sinal de vida do namorado. Ele veio, mas não podia ter deixado a Paula mais chocada. O conteúdo da mensagem em si não tinha nada de especial: era a típica e previsível conversa de namorados recém unidos. O que a deixou perplexa foi outra cosa: o miguxês.

***

oi AMOr...... tUdU BeM??!?!

Ki SAUDAdixXx kI Eu Tavah Di vc!!!!! kEriAH mTu pOde Tah aiH kONtIGU...... kase xXxOrEi QDu vc fOi eMbOrah......

logU logu A Genti Vai se Ve DINovU...i daIH vAmuxXx fICAH JUnTUxXx PrAh SemPrE...... sAbE pQ??!?! Pq Eu ti AMODOLu!!!!!

ti AmODOLU MTU!!!!!

bEIjInHuxXx!!!!!

*JuH*

***

Pânico. Era como se tivesse acabado de descobrir que tinha convivido aquele tempo todo com um ser estranho. Ela, logo ela, estava namorando um cara que escrevia em miguxês? Não era possível. Alguma coisa devia estar errada. Tinha que estar. Nunca tinha suportado aquele tipo de linguagem, muito menos quem se valia dela para se expressar. Ele podia escrever de qualquer forma: comer uma ou outra letra, conjugar um verbo e forma errada, cometer um “tropeço” de digitação aqui e ali, trocar um “ch” por “x”... qualquer coisa! Menos escrever em miguxês.

Esfriou a cabeça. Deve ter sido um engano, ou sei lá: alguém podia ter mandado um e-mail pra ela só de sacanagem, tentando abalar o romance recém nascido dos dois. Parou, pensou e respondeu da forma mais racional possível: fingiu que nada de errado tinha acontecido.

***

Amor,

Também estou com saudades. Quando é que você vai voltar mesmo? Semana que vem, né? Mal posso esperar!

Estou bem. Fique tranqüilo. Algo me deixou meio preocupada. Nada sério. Tenho certeza que é só besteira minha.

Logo estaremos juntinhos... eu acho!

Te amo!

Beijos apaixonados.

Da sua Paulinha.

***

A resposta veio um dia depois, e não podia ter sido mais desesperadora para a Paula.

***

AmOr!!!!!

u KI FOI Ki acOnTecEu...Hein??!?! FikEI pReOCupAdu!!!!! U ki EH KI taH DExXxAnU MINHAH FOfUxXxaH tRisteEnHah??!?!

FAltAm Soh AlguNxXx dIaxXx AMor...... VAi dah TUDu cERTU...VC vAI VE!!!!!

tI aMOdOlU MtU...1 TAntAUM AXXim...OH:

\____________________0____________________/

BEIjinHuxXx!!!!!

*JuH*

***

Era verdade: estava namorando um miguxo. Como é que podia ter cometido um erro daqueles? Amava ele, estava apaixonada, mas aquílo era demais para ela assimilar assim, de uma hora para outra. Tentava ser racional, tentava demonstrar frieza, paciência, mas sempre que pensava no “aMOdOlU” proferido pelo Ju, seu coração doía. Chutou a cautela para escanteio, e respondeu da maneira que julgava mais adequada para aquele momento. O namoro estava em crise, mesmo que o Juliano não se desse conta disso.

***

Ju:

Estou preocupada. Você pode achar que parece besteira, mas tem uma coisa que está me incomodando bastante: seu jeito de escrever. È, parece loucura, eu sei, mas a verdade é que estou desesperada à espera de uma resposta sincera de sua parte.

Afinal de contas: você é um miguxo ou só está escrevendo daquele jeito para fazer um “charminho”. Se for por charminho, pelo amor de Deus, pára com isso.

Aguardo resposta.

Paula

***

Pronto. Tinha enviado o e-mail. A resposta daquele correio eletrônico selaria os rumos do relacionamento dos dois. O final feliz deles dependia de uma resposta coerente do Ju. Se tivesse que ler mais um “aMOdOlU”, não agüentaria. Infelizmente, quando a resposta finalmente chegou, não pode conter sua decepção.

***

amOR!!!!!

u kI Eh miguxXxU...hEIN??!?! nauM ENteNDi u ki VC kIxXx dIZe!!!!! u KI eH kI Tem dI ERRAdeEnHU nU MEu jeItu DI escreve...heiN MinhaH fOfUxXxAH??!?!

toW PREoCupADu...viU??!?!

Ti AmOdOLU MtU...oK??!?!

VaMUxXx FicaH JuNtUxXx PrAh SeMPrE!!!!!

kIXXUxXx


*JuH*

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A resposta da Paula fala por si só:

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Juliano,

Está tudo acabado entre nós, desculpe.

A culpa não foi sua, acredite. A culpada sou eu. Eu é que não consegui me adaptar a esse seu jeito “fofo” de escrever. Ou melhor... você tem culpa sim, mas isso não vem ao caso agora.

O fato é que nunca suportei miguxos. Desculpa, mas é verdade. Isso é demais pra mim, não pude assimilar, entende? Não... provavelmente você não vai entender.

O fato é que acabou. Foi bom enquanto durou, mas acho que me precipitei um pouco quando começamos a namorar.

Peço perdão por colocar fim ao nosso namoro dessa forma, tão repentinamente, mas juro para você que não suportaria ouvir mais um “AmOdOLU” e... bem... como já falei, provavelmente você não vai me entender.

Por favor, não me procure mais.

Bom futuro para você Juliano.

Si cuida.

Paula

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Os amigos, quem diria, compreenderam o fim do namoro e apoiaram a decisão da Paula. Um miguxo não era digno de confiança. O Juliano bem que tentou entender o que tinha feito de errado, mas não conseguiu.

-onDI fOI ki eU eRREi??!?!