quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Conto rápido pós Natal

A Maristela tinha acordado cedo pra arrumar a casa após os “festejos” natalinos da noite anterior. Depois de anos de insistência, a família finalmente tinha aceitado passar a ceia de Natal em sua casa. Para não fazer feio, ela caprichou nos preparativos. Muita comida, bebida à vontade e uma limpeza impecável estavam no pacote de melhorias implementadas na casa durante a semana.

Estava tudo perfeito. Tudo mesmo. Cada detalhe tinha sido milimetricamente checado por ela. Queria ver suas irmãs, famosas por suas críticas vorazes, morrendo de inveja. Nada poderia dar errado. Mas deu.

Maristela não contava com um detalhe: seu esposo, o Farias.

Depois de ter enchido a cara de cerveja e caipirinha, o dono da casa protagonizou momentos não muito agradáveis: passou a mão na bunda da sogra, quebrou o carrinho de controle remoto recém ganho pelo sobrinho, chamou o Almeidinha (primo depressivo da Maristela, recém saído do hospital após tentativa de suicídio) de “viadinho covarde e insignificante”, e, naquele que seria conhecido como o grande momento da noite, vomitou sobre a mesa de jantar minutos antes da ceia acontecer, inutilizando boa parte dos alimentos postos sobre a toalha de seda branca que tinha sido herdada pela família de sua esposa.

O estrago foi tão grande, que boa parte dos presentes preferiu voltar para casa sem comer. No fim das contas, o evento natalino tinha sido um total fracasso. A Maristela, furiosa, jurou que diria poucas e boas para o Farias assim que ele estivesse são o bastante para tomar uma surra.

No dia seguinte, o Farias acordou tarde, com o barulho da Maristela limpando a casa com o aspirador de pó. Mesmo não lembrando de praticamente nada do que tinha acontecido, algo lhe dizia que ele não tinha sido um bom anfitrião na noite anterior.

Foi só passar pela sala, para perceber a cara de maníaca homicida da esposa. Ficou em silêncio. Sabia que se abrisse a boca naquele momento, provavelmente não fecharia ela tão cedo. A Maristela se segurava para não voar em seu pescoço, mas ficou quieta também. Iria segurar sua fúria o máximo possível.

O Farias, para tentar fazer um agrado, resolveu colaborar com a faxina. Muitos dos pratos da festa (aqueles que não tinham sido atingidos por ele), ainda estavam encima da mesa. Resolveu guarda-los. De quebra, tentou fazer o primeiro contato verbal com a esposa.

-Amor... Sobrou bastante comida aqui. Onde é que eu enfio esse peru?

A Maristela parou, pensou, refletiu bastante, mas achou melhor não dar a sugestão que lhe veio à mente de onde o Farias deveria “enfiar o peru”. Apesar dos pesares, aquela ainda era uma época natalina. Tudo pela paz.

-Na geladeira Farias... Põe na geladeira.

Pois é. O amor é lindo.