sábado, 22 de setembro de 2007

Adjetivos

Essa semana tive a oportunidade de ir assistir a uma apresentação do espetáculo “Alegría”, do mundialmente conhecido Cirque du Soleil. Sim, a palavra correta para o caso é “oportunidade”. Não, eu não ganhei na loteria e não sou milionário. Não que quem tenha condições de pagar um ingresso para o espetáculo (os valores das entradas variam de R$130,00 até R$400,00 aqui em Curitiba) seja necessariamente um capitalista selvagem. Apenas acho que seria uma loucura um universitário bolsista pé-rapado que nem eu, desembolsar tamanha quantia de dinheiro. Pude ir, graças a uma boa ação da empresa que trabalho, que num gesto de incentivo aos funcionários, bancou todos os ingressos.

De qualquer forma, deixo claro que não pretendo contar aqui minhas impressões a respeito do espetáculo. O que me motiva a escrever esse devaneio é outra coisa: fui acusado (injustamente, que fique bem claro) de não ter curtido o circo. O motivo? Minha falta de originalidade na hora de adjetivar o que tinha visto.

***

-Quer dizer então que você foi no Cirque, né José?

-Sim. Fui sim!

-Mas e aí?

-Aí o quê?

-Ora... como é que foi?

Esse é o tipo de pergunta difícil de ser respondida. Não parece, mas é. Pense comigo: como compilar duas horas e meia de espetáculo em uma frase curta ou em uma única palavra, em um único adjetivo? Como conseguir retratar através disso todos os inúmeros fatos que você presenciou e suas impressões a respeito? Eu até que tentei:

-Ah... Foi bom!

Silêncio. O interlocutor fica me encarando, como que esperando o desfecho de meu relato. Eu, fico impávido.

-Bom?

-Sim!

-Como assim?

-Foi bom, ué?! Divertido!

-Cara: você vai ao melhor circo do mundo, e tudo o que tem a dizer é que foi “bom”?

-Sim.

-Ora! Me poupe! “Bom”? Isso lá é adjetivo que se dá a um show desse porte? Seja mais esforçado...

-Tá bom, tá bom!

-E então, como é que foi?

-Muito bom.

-Ahh Zé!

-O que foi?

-Muito bom? Você não gostou, não é?

-Gostei sim. Claro que gostei.

-Então como é que você tem coragem de chamar isso de “muito bom”? Seja criativo.

-Ué? E “muito bom” não serve?

-Serve, mas é pouco. “Bom” é o cirquinho de lona que a cada dois meses monta acampamento lá perto de casa. “Muito bons” são os circos que viajam pelo país. Mas você está falando do Cirque du Soleil. O melhor do mundo. Nem parece que você assistiu!

-Ok, desculpe. Não sabia que isso era errado.

-Errado não é! Mas isso lá é adjetivo que se dê? Francamente, hein José!

-Já pedi desculpas.

-Eu sei. Mas vá lá: prossiga!

-Com o quê?

-Com a descrição, né? O que mais poderia ser?

-Ah ta... Bem... O show tem números muito legais. É tudo muito bonito. Muito bem feito.

-Sei. O que mais?

-Ah... É tudo muito... Muito... Muito bom!

-Você está me sacaneando, né?

-Não! Mas é que a verdade é essa. Eu achei muito bom.

-É o melhor circo do mun...

-Eu sei que é o melhor do mundo, você já falou isso uma dúzia de vezes. Mas é que na minha escala de elogios, “muito bom” é algo muito... Muito bom, sabe?

-Não concordo. Olha, a gente é amigo. Pode abrir o coração. Você não gostou do show, não é?

-Já disse que gostei!

-Não é o que parece.

-E o que interessa para você saber se eu gostei ou não do tal circo? Qual a diferença que isso faz, afinal de contas?

-Esse é o melhor circo do mundo!

-Eu desisto...

-Quer saber? Chega... Continue contando como foi. Como você mesmo disse, não me interessa saber quais suas impressões. Quero os detalhes, só isso. Prometo que não vou interferir.

-Sei. Vou fingir que acredito.

-Pode apostar. A partir de agora, sem interferências. Mas do que você mais gostou afinal de contas?

-Ah... Os malabaristas são ótimos, o número do trapézio é super bonito. Tem umas meninas contorcionistas, um cara que faz acrobacias com fogo... Mas o mais bacana mesmo, foram os palhaços.

-Pára tudo Zé!

-O que foi agora?

-Você vai ao maior circo do mundo e diz que preferiu os palhaços?

-E qual o crime nisso?

-E não é óbvio? Eles têm artistas únicos. Profissionais que fazem acrobacias que mais ninguém no mundo é capaz de realizar. Desafiam os limites do corpo humano. Você assistiu a tudo isso na sua frente, a uns poucos metros, e diz que o que o circo apresentou de melhor foram os palhaços?

-Não disse que foram os melhores. Disse que foram os que eu mais gostei.

-E qual a diferença?

-Tem artistas mais completos no show, isso é fato, mas o número em que eu mais me diverti foi o dos palhaços.

-Não concordo.

-Concordar com o quê, homem de Deus?

-Com esse seu desprezo a um espetáculo tão fabuloso.

-Eu não estou desprezando porra nenhuma!

-Calma... Não se estresse!

-Como é que não vou me estressar se você fica falando um monte de abobrinhas? Quem foi no show fui eu, quem assistiu a tudo fui eu, portanto, só eu tenho o direito de afirmar se o espetáculo foi bom ou não. Eu uso os adjetivos que quiser, e ninguém tem nada a ver com isso, entendeu?

-Mas José: você não está sendo muito ameno nos seus elogios? Pense bem. Esse é o melhor circo do mundo e...

-Quer saber? Chega! Desisto! Juro que tentei agüentar, mas não deu.

-É que você parece muito desanimado. É até natural que alguém que tenha gasto uma nota preta num ingresso, como é o seu caso, acabe se decepcionando um pouco e fique com uma dor na consciência, pensando: “puxa, paguei tão caro e o circo não era isso que eu esperava!”

-Mas eu não paguei nada. Fui de graça.

-De graça?

-Sim. A empresa pagou nossas entradas.

-E você ainda tem coragem de reclamar?

-Como?

-Você está reclamando de um espetáculo que você nem ao menos pagou pra assistir? Que moral você tem pra falar alguma coisa, hein?

-Mas eu não estou reclamam...

-Isso é o cumulo do absurdo, José! Você menospreza um espetáculo desse porte mesmo sem ter desembolsado um centavo para assisti-lo. Como você tem coragem?

-Eu não menosprezei nada e...

-Você é um ingrato, ouviu bem? Um ingrato!

-Mas eu não queria ser ingrato. Desculpe!

-Quer saber José? Chega de conversar com você! Você vai ao melhor espetáculo do mundo, e não valoriza isso. A ingratidão é algo muito feio, sabia? Além do mais, você teve a coragem de dizer que odiou o circo.

-Mas eu disse que era muito bom!

-Tá vendo? É ainda pior! Está mentido! Diz uma coisa que obviamente não condiz com seus gestos. Acha que sou bobo?

-Por favor, me desculpe e...

-Chega! Outro dia a gente se fala. Quem sabe você tenha uma crise de consciência e perceba o gesto de ingratidão que está cometendo. Adeus...

O fulano vira de costas e me deixa ali, tentando me justificar. Eu ainda tento reagir... Em vão:

-Ei! Volta aqui... Era espetacular, ouviu bem? Espetacular!

sábado, 15 de setembro de 2007

Balanço 4

Fazia tempo que eu não aparecia. Tempo mesmo. Nem me lembrava ao certo da última vez que tinha publicado uma postagem. Sendo assim, resolvi aparecer “pessoalmente” aqui dar satisfações de como andam os dias desse dublê de blogueiro. Muita gente me ligou perguntando como eu estava ou como iam as coisas... me senti na obrigação de interromper a seqüência de “crônicas” que escrevi nos últimos tempos, para dar voz a mim mesmo, e contar em que pé anda a vida deste Zé. Chega de ser o narrador onisciente, pelo menos nessa postagem .

Aos interessados digo que está tudo muito bem, obrigado. A vida está numa fase ótima nos mais distintos e fascinantes pontos de vista. Realmente não tenho do que reclamar. Aliás, tenho sim: falta de tempo. Pra variar, ando completamente atarefado, e isso tem me tirado horas preciosas que pretendia utilizar na criação de novos projetos. Bem que Deus poderia pensar naquela minha idéia de criar uma lojinha que vendesse tempo. Enquanto o todo poderoso não analisa a proposta, cabe a mim continuar aprendendo a lidar com essas 24 horas diárias que tenho à minha disposição. É pouco, mas serve.

O blog também está me trazendo bons motivos de felicidade. Muita gente tem me visitado, e sobretudo, muita gente tem lido o que eu escrevo. Redundância? Não. Eu explico: na maioria dos “blogs amadores” (como o meu) que surgem por aí, quase 70% das visitas são oriundas do Google. Geralmente o internauta está procurando alguma informação específica na web, digita algumas palavras chave na busca, e coincidentemente elas batem com alguma das abobrinhas que escrevo por aqui. No meu caso, termos como “aprender a fazer uma poesia” e “contos românticos” (referência ao título desta crônica escrita em fevereiro) são os que mais trazem pessoas até aqui (Um exemplo bem recente é o termo "vergonha nacional", que se colocado no Google nos leva direto para... adivinhem... o site do senado federal). Entretanto, ao perceber que a busca dele não encontrou exatamente um manual virtual de como se fazer poesias, o visitante vai embora sem nem ao menos ler o que está escrito nessa birosca. Tenho percebido que isso está mudando aos poucos. Apesar da enorme maioria de visitantes ainda ser oriunda das buscas do Google, um número razoável de pessoas está passando por aqui de livre e espontânea vontade. Não que eu tenha alguma pretensão de ser famoso, ou de conseguir mais repercussão. Apenas fico contente de saber que tem gente que se identifica com meus devaneios pouco inspirados.

Idéias, como sempre, não me faltam. O que falta, como já disse anteriormente, é tempo útil pra pôr tudo em prática. Parafraseando Ricardo III: “Meu reino por uma hora livre!!”

Não sei se alguém percebeu, mas promovi algumas sutis mudanças visuais por aqui. Exercitei minhas pseudo-habilidades em Photoshop para confeccionar um cabeçalho novo para o blog. Tive outras idéias que não deram tão certo. Estou resistindo, por exemplo, a tentação de colocar elementos em HTML espalhados pela página. Acho que uma das características mais marcantes que quero passar aqui é a simplicidade visual: algo meio quadrado, nostálgico, sem muitos recursos tecnológicos, mas arrumadinho. Estou aberto (no bom sentido, que fique claro) à sugestões. Se alguém tiver alguma idéia de otimização visual para me sugerir, entre em contato. Pago uma tubaína depois como forma de agradecimento.

Ah sim: a todos que possuem, ou vierem a possuir algum ódio reprido em relação a este calhorda que vos fala, deixo aqui um brinde sugerido “carinhosamente” por uma de minhas inventivas amigas. Trata-se de um game on-line no melhor estilo “chute o traseiro deste infeliz”. O legal da história é que você pode personalizar a baixaria e colocar o seu rosto (ou o do seu desafeto) no personagem. Além desse jogo, existem outras versões bem bacanas. Vale a pena dar um conferida, nem que seja pra zoar um amigo seu. Para visitar o site, clique aqui. Para chutar o este blogueiro, é só ir logo aí abaixo.

Obrigado a todos pelo carinho.

Um beijo no cérebro.

Até mais.


domingo, 2 de setembro de 2007

Celular

O Fonseca chegou no trabalho empolgadíssimo:

-Gente... vocês não sabem da última!

-Oi Fonseca! Bom dia pra você também, né?

-Bom dia! Desculpem. É que eu estou tão empolgado que nem ao menos me lembrei de cumprimentá-los!

-É... percebemos! Mas está empolgado com o quê afinal de contas?

-Com isso: meu celular novo! O XVR 7000!

De dentro do bolso, o Fonseca sacou a novidade: um aparelhinho prateado, bonitinho, apenas um pouco maior que a média dos aparelhos celulares convencionais.

-Nossa... legalzinho!

-Legalzinho? Legalzinho??? Você está brincando, né?! Isso daqui é o supra sumo da tecnologia mundial, meu amigo!

-É?

-É sim!

-Não vi nada de diferente nele...

O Fonseca quase se ofendeu. Estavam subestimando a capacidade do seu recém adquirido monstro tecnológico.

-Ok. Vamos aos fatos: Para começar: essa belezinha aqui é feita de titânio. É tão resistente que suportaria um impacto de duas toneladas!

-É?

-Sim... além disso é completamente impermeável. Você pode derramar o que quiser nele: água, álcool, ácido. Pode escolher. Continua funcionando mesmo com temperaturas acima de 400°C e inferiores a -300°C.

-Caramba!

-Mas não é só isso: tem tela sensível ao toque e é acionado através de um código de voz ou com o escaneamento de impressão digital. É praticamente à prova de roubo.

-Puxa vida!

-Tem GPS, rastreamento via satélite, tradutor de voz para cinco idiomas... toca MP3 e MP4 e tem 7 gigas de memória para armazenamento. Som de CD e qualidade de imagem de DVD.

-Vixi!!

-Além disso ele sintoniza as principais TV’s a cabo do mundo. Tem acesso à internet via wireless. Tira fotos com até 7,5 mega pixels e é capaz de gravar até 5 horas de vídeo em excelente resolução.

-Ô loco!

-Também é uma espécie de controle remoto universal. Liga e desliga quase qualquer coisa: da sua TV ao alarme do seu carro.

-Afff...

-Deixe-me ver o que mais... ah sim: tem uma bateria auto-suficiente. Na extensão do aparelho existem fotocélulas que captam a luz solar e a transformam em energia.

-Caraca, maluco!

-Isso sem contar o visual: foi feito por um dos maiores designers do mundo. Seu formato já foi premiado diversas vezes ao redor do planeta.

Durante os minutos seguintes, o Fonseca continuou relatando todas as milhares de qualidades “high-tec” de seu aparelho japonês, sob atentos olhares do resto de seus colegas de escritório.

-É Fonseca... Desculpe! Acho que subestimamos a capacidade do seu aparelhinho!

-Subestimaram sim, mas estão perdoados. Vocês não tem culpa. Não entendem muito de alta tecnologia. Até eu acabo me equivocando de vez em quando com algumas coisas.

-Ele realmente parece ser incrível. Deve ter custado uma nota, imagino.

-Sim. Realmente seu preço é bem alto. Mas, como um legítimo apreciador da boa comunicação, me dei ao luxo de comprá-lo.

Missão cumprida. O Fonseca tinha conseguido impressionar a todos. Pelo menos até aquele momento.

-Bem... mas já que você está de celular novo, trate de passar logo o número pra gente!

-Isso aí Fonseca! Qual é o número do super, mega, hiper XVR 7000?

-Número?

-É Fonseca, o número! Que eu saiba todo celular tem um número!

O Fonseca coçou a cabeça, pensou durante alguns segundos, e chegou à conclusão de que, surpreendentemente, não sabia o número do próprio celular. Isso se o celular tivesse um número. Pelo que tinha lido no manual de instruções, que tinha quase 700 páginas e explicações em 10 línguas diferentes, inclusive braile, não existia menção alguma sobre realizar ou receber ligações.

-Bem... é... sabem... eu acho que ele é...

-Não vai dizer que o Godzilla com teclas não funciona?!

-É claro que funciona! O XVR 7000 é o que existe de mais moderno e avançado do ponto de vista da tecnologia em todo o mundo!

-Super avançado! Só não faz nem recebe ligações! Hahahaha

O Fonseca ainda tentou reagir, mas não adiantou. Já tinha virado motivo de piada no escritório. O tal celular, que segundo o manual era o novo marco das comunicações mundiais, fazia de tudo, menos o que um telefone comum deveria fazer.

Mas, segundo o "feliz" proprietário do XVR 7000, o pior não era ter que agüentar as tirações de sarro. O chato mesmo era depender dos outros para fazer ligações.

-Ei Silva... dá pra me emprestar o celular rapidinho? Depois te pago!

-Toma, Fonseca... toma...




Sugestões: imagem enviada pelo meu colega Oscar. E não é que tem a ver mesmo com o meu texto?