sábado, 24 de março de 2007

Micróbios

Existem milhões de motivos capazes de por fim a um relacionamento. Alguns grandes, outros nem tanto. E ainda existe a categoria dos motivos microscópicos:

-Amor?

-Ann?

-Você não vai tomar seu refrigerante nesse canudinho, né?

-Vou... Acho que vou sim. Por que?

-Como "por que"? E não é óbvio?

-Não!

-Isso daí tá cheio de micróbios seu louco!

-Como assim?

-Micróbios, bactérias... Bichinhos microscópicos que fazem mal à saúde! Alguns são até capazes de matar! Fugiu da aula de ciência na escola, foi?

-Hehehehe... Você tá de piada, né?

-Olha bem pra minha cara! Acha realmente que eu estou brincado? Pare e pense um pouco. Imagine a quantidade de pessoas que passaram a mão nesse negócio. Agora tente pensar na quantidade de sujeira que podia ter na mão daquelas pessoas. Isso é um perigo!

-Ahhhh... Me poupe, né!

-Não toma isso não... Seu porco!!!! Eu falei que não era pra você ter tomado! Que coisa nojenta!

-Pelo amor de Deus! Não vai me dizer que você vai ficar fazendo drama por causa de um canudinho!

-Vou sim! É claro que vou! Um canudinho que pode custar sua vida!

-Larga mão de ser exagerada!

-Cínico!

-Não fala assim comigo!

-Falo sim! E falo mais alto ainda se você quiser!

-Ó o escândalo! Para com isso...

-Que tipo de pessoa é você, hein? Eu achava que te conhecia!

-Pois é... Eu também! Acabei de descobrir que to namorando uma paranóica!

-Paranóica? É esse o juízo que faz de mim? Escuta aqui senhor "sabe tudo"... Sabe quantas pessoas morrem por ano, ou melhor, sabe quantas pessoas morrem por dia em função de doenças causadas pela ação de microrganismos nocivos?

-Não, não sei!

-Pois é... São milhares de pessoas! Ouviu bem? Milhares! E isso todos os dias!

-Olha... Eu juro que eu não queria te magoar, tá bom? Mas pelo amor de Deus, vamos racionalizar um pouco: a gente está falando de canudinhos de uma lanchonete!

-Então me responda uma coisa: me diga quem foram as pessoas que passaram a mão nesses canudinhos... Hein, vamos, me diga!

-E qual a relevância disso afinal de contas?

-Tem total relevância! Você tem noção que uma das pessoas que passou a mão nesses canudos poderia estar com algum tipo de vírus transmissível? Isso faz toda a diferença...

-Olha... Vamos fazer o seguinte: me diga um caso, veja bem, só um caso, de uma pessoa que tenha sido infectada mortalmente por qualquer tipo de bactéria depois de tomar o refrigerante com um canudinho! Se me provar isso, eu juro que trago um vidro de desinfetante na bolsa para usar nessas ocasiões!

-Você está sendo irônico!

-Irônico? Eu? Imagina!

-Aí ó... Está sendo irônico de novo!

-Eu mereço, viu? Tá loco...

-Quer saber? Se dane! Se quer tomar seu refrigerante no canudinho, pode tomar! Só não venha querer ficar me agradando depois!

-Quer saber? Me desculpe! Eu acho isso exagero, mas respeito sua opinião! Não é certo a gente brigar por tão pouca coisa.

-Hunf...

-Tô falando sério! Tomarei mais cuidado com isso, ok? Não é porque a gente não concorda com relação a um assunto que a gente vai ficar de mal.

-Sei... Tá... Tá bom, vai! Eu não devia, mas eu te perdôo!

-Oba! Adoro essa parte de "fazer as pazes"! Agora vem cá e me dá um beijo!

-Tá bom...

-Viu só, você me beijou!

-Como?

-Você me beijou, ué?! Agora eu te pergunto o seguinte:

-Lá vem...

-Esse nosso beijo não envolveu a troca de milhões de bactérias?

-Eu não acredito que você vai fazer isso...

-Escuta: se você acha nojento que eu leve à boca um canudinho de plástico que supostamente está contaminado pelas bactérias das mãos de centenas de pessoas, o que dirá de um beijo igual ao que a gente deu agora!

-Você me usou!

-Foi só pra provar que sua teoria é incoerente! Não existe nada mais nojento do que beijo na boca!

-Ora seu...

-Não, escute! Agora é a minha vez de falar! Imagine a quantidade de bactérias e microorganismos que são trocados durante um beijo! Isso não é nojento?

-Eu não acredito que você está dizendo isso...

-Se seguirmos sua linha de raciocínio, eu acabei de infectar você, já que te beijei com a mesma boca que à poucos segundos atrás estava no canudinho!

-Eu tô te avisando... Tô ficando nervosa!

-Nervosa com o que? Só estou sendo coerente com a sua teoria!

-Tudo bem... Quer tirar saro, pode tirar! Não serei eu que estarei sobre a sua cama quando estiver com febre depois de contrair uma virose bacteriana!

-Poxa amor! Pense um pouco. Isso é besteira!

-Claro que não é besteira! E saiba que o beijo realmente é algo é repulsivo se pararmos pra pensar nas bactérias!

-E então? Se é algo tão perigoso, que envolve tantos riscos, já teríamos entrado em extinção a milhões de anos. O ser humano sempre beijou na boca e nem por isso se “infectou” com as tais bactérias!

-Mas o beijo pode transmitir doenças sim!

-Se o beijo transmite doenças, então quem dirá o sexo, né? Era terminar de transar pro casal começar a estrebuchar ali num canto... Sexo seria letal!

-Aiiii... Eu odeio esse seu cinismo!

-Imagina... Meu cinismo é microscópico. Assim como suas “bactérias” mortais!

-É, né? Bem se vê que de coisas microscópicas, pequenininhas, você entende!

-Olha... Uma ironia!! Parabéns, viu? Os micróbios do canudinho devem estar te aplaudindo de pé agora!

-Esqueceu que agora os micróbios estão na sua boca? Tomara que você passe mal daqui a pouco pra aprender a não ridicularizar os outros!

-Eu beijei você, lembra? Os micróbios são nossos agora!

-Idiota!

-Paranóica!

-Burro!

-Metida!

-Cala a boca!

-Cala a boca você, guria! Se enxerga!

Depois de alguns minutos de cara emburrada ambos começaram a se agradar. Pouco tempo depois, já tinham se perdoado. Mas a trégua durou pouco. Logo o rapaz derrubou um pingo do ketchup de seu sanduíche na mesa, e num momento de distração, passou o dedo no molho que tinha caído e o levou a boca, para desespero de sua namorada que acabou com tudo ali mesmo. Podia tolerar o canudinho, mas reaproveitar o ketchup na mesa era imperdoável.

Ambos logo se adaptaram novamente a vida de solteiros. O difícil era explicar o motivo do fim do relacionamento:

-Foram os micróbios...

Vá entender!

domingo, 18 de março de 2007

Heroísmo

Caro leitor: antes que passe a ler efetivamente o conteúdo desse testemunho que farei a seguir, gostaria de esclarecer alguns detalhes importantes. Em primeiro lugar, aviso que não sou um cara mal. Não mesmo. As vezes chego a ser bonzinho demais. Em segundo lugar, também gostaria de deixar claro que não sou nem um pouco impulsivo, muito menos vingativo. E a terceira e última coisa é que não, eu não costumo sair fácil do sério. Posto isso, vamos aos fatos.

Era um dia quente, desses em que o Sol a pino consegue derreter muita coisa, inclusive sua paciência. Lá estava eu, parado, à espera do ônibus que me levaria de volta para casa. Não demorou muito, e o expresso que cruza o centro da cidade rumo ao meu destino chegou. Embarquei sem maiores problemas. Dia de transporte folgado, sem lugar para sentar, mas com espaço de sobra para se ficar confortavelmente em pé. Partimos.

No ponto seguinte, uma senhora embarcou segurando na mão de uma garotinha. Casal bonito. Mãe e filha entraram rapidamente, analisando o panorama interno do veículo. Logo a moça avistou um banco vago no fundo do ônibus, para onde rumou sozinha, deixando a menina, que não devia ter mais do que uns cinco anos, ali, sozinha, em meio aquele corredor de pessoas estranhas.

A mãe da menina se sentou, virou pro lado e logo se pôs a cochilar. A garota por sua vez continuava ali, parada. O rosto era inocente, sereno. Mas, como diria o chavão, as aparências enganam. O olhar angelical aos poucos vai mudando, e eis que surge um sorriso em sua jovem face. Não era um sorriso qualquer. Aquela era uma risada maléfica, sapeca. A menininha simpática era na verdade um exemplar vivo daquelas crianças baderneiras que só esperam uma boa oportunidade para levar as pessoas à loucura. Podia conhecer aquela expressão em qualquer lugar. Entrei em pânico, e previ o óbvio: teríamos uma viagem difícil.

De fato eu estava certo. A menina, sem mais nem menos, disparou aos berros para o lado oposto do ônibus levando pânico a todos os passageiros. Os mais distraídos simplesmente deram um pulo quando viram a garota correndo e gritando. Acharam que ela podia estar passando mal, ou fugindo de alguma coisa. Não era nada disso. Seu objetivo era simplesmente aparecer, chamar a atenção. Prova disso é que depois do seu pique, voltou ao lugar de origem e se pôs a sorrir orgulhosa em função do que tinha acabado de fazer. Não satisfeita, gargalhou baixinho, como que comemorando seu triunfo perverso.

Os passageiros ficaram visivelmente assustados com o que tinham acabado de presenciar. A menina parecia ter ficado maluca, e muitos fizeram cara de desaprovação com o gesto da pirralha. Só tinha um problema: ela ainda não estava satisfeita. Aquílo era só o começo.

Pouco tempo depois ela partiu novamente em disparada gritando como louca para o lado oposto do ônibus. Dessa vez houveram feridos. A menina deu um pisão no pé de um senhor que carregava uma sacola cheia de roupas, e fez uma outra moça acertar uma cabeçada na parede na tentativa de evitar um choque eminente. Mas não foi só isso. Uma senhora entrou em surto, já que os berros proferidos a plenos pulmões pela mocinha tinham acordado seu bebê que agora chorava, tornando o ambiente do ônibus ainda mais caótico.

As primeiras reações surgiram. Um rapaz tentou intervir na situação e pedir calma para a garota, mas ouviu em troca um “cale a boca”. Aquílo equivaleu a um golpe no estômago coletivo. Todos no ônibus fizeram expressões de indignação, inclusive eu. Situação inadmissível. Uma força tarefa composta por três senhoras foi tentar intervir junto a mãe da menina, que no momento encontrava-se babando no vidro do ônibus. Ao acorda-la, tudo que ouviram foi um “deixem minha filha em paz”, para logo depois a moça se virar pro lado e voltar a dormir.

A indignação passou a dar lugar a uma incomoda sensação de impotência diante daquela situação. Ninguém, por mais revoltante que tudo aquílo fosse, podia tomar uma atitude efetiva contra a garota, já que sua própria mãe tinha lhe dado carta branca para fazer o que bem quisesse. Reclamar era inútil.

Enquanto isso a menina continuava sua saga enlouquecedora. Incansável, pisou em mais uns dois ou três pés, e sempre fazia questão de distribuir seu sorriso perverso para aqueles que lhe encaravam em desaprovação. Não demorou muito e eu fui vítima da pirralha. Vinda do sul do ônibus em alta velocidade ela parece ter analisado a distância exata e a velocidade adequada que precisaria para me dar um pisão. Cálculo fantástico. Em uma pequena fração de seguendos, distribuiu toda a força do seu jovem, mas pesado corpo por sobre o meu pé. Ela era uma menina, é verdade, mas aquílo foi o suficiente pra me fazer enxergar constelações inteiras de estrelinhas.

A dor era suportável. O que eu não podia tolerar era aquela risadinha irônica que ela me exibiu logo depois de ter se certificado do sucesso de seu ataque ao meu pé. Aquílo sim doeu muito. Minha sede de vingança começava a atingir doses cavalares. Cedo ou tarde teria que reagir.

Mas o que fazer? Não podia simplesmente pedir para que ela parasse. Seria inútil. Estava de pés e mãos atados, e a situação piorava a cada instante. Tentativas frustradas de acordo não faltaram. Por exemplo: uma moça bem intencionada tomou a iniciativa. Numa demonstração de simpatia das mais generosas que eu já presenciei na vida, ela tentou convencer a garota a parar com aquílo. Dessa vez ela não ouviu nem um “cale a boca”. Pior: ao invés disso, tomou um chute na canela. Isso mesmo. Uma pancada, uma “bicudona” desferida sem dó nem piedade pela monstrinha. Aquílo foi o cúmulo do absurdo. A moça, impotente, simplesmente se afastou com os olhos marejados. Era duro de admitir, mas ninguém ali estava preparado para enfrentar aquela menina.

A pirralha era uma vilã da mais vis e calculistas que já tinhamos conhecido. Alguém precisava tomar alguma atitude. Alguém precisava bancar o herói.

Era deprimente observar o olhar de tristeza exibido por todos. Tínhamos sido vencidos por uma garotinha de cinco anos. "Ó, e agora, quem poderá no defender???" era a pergunta que ironicamente passava pela mente de todos os passageiros. Não podia permitir aquílo. Resolvi agir.

Talvez fosse inútil, e provavelmente tudo o que eu conseguiria seria um chute na canela também, porém eu tinha que tomar uma atitude. Avistei a menina vindo em minha direção correndo e gritando, ainda mais escandalosa, ainda mais revoltante do que das vezes anteriores. Não tinha muita escolha. Deixei que meu impulso fizesse o que achasse mais adequado. Fingindo que não estava nem prestando atenção, calculei meticulosamente o tempo necessário para por meu plano em prática.

No exato instante em que a garota passava em minha frente, tomei uma providência. Discretamente estiquei meu pé. Foi um esbarrão leve, quase imperceptível, porém suficientemente eficaz para fazer com que a garota perdesse o equilíbrio, e tomasse um tombo dos mais perfeitos que já tinha observado. Aquílo foi lindo. A menina percorreu uma trajetória elíptica em pleno ar, e aterrissou sua cara feia no solo de forma absolutamente exuberante. Foi um tombo merecedor de prêmio, uma “empacotada” digna de bienal. Em questão de uma breve fração de segundos, toda a prepotência da garota tinha despencado e estava ali, no chão, repousada diante dos olhos de todos os que ela oprimiu durante todo aquele tempo.

A reação foi à esperada. Ela levantou meio assustada, olhou em volta, constatou os olhares surpresos e satisfeitos de todos os passageiros, e se pôs a chorar. Berrando, correu para o colo da mãe dorminhoca que naquela altura já estava em um sono profundo. Ao acorda-la tentou balbuciar meia dúzia de palavras explicando pra sua progenitora o que tinha acontecido. Tudo o que conseguiu foi tomar uma bronca por ter lhe acordado.

Pronto. Missão cumprida. O choro da pirralha logo sumiu e deu lugar a um cochilo. Quem via a menina no colo da mãe nem se dava conta de quão perigosa ela era acordada. Enquanto isso, eu estava ali, quieto, satisfeito com meu ato de bravura. Um senhor que estava do meu lado e que tinha observado a cena de camarote, percebendo inclusive o que eu tinha feito, não se conteve e cochichou no meu ouvido:

-Obrigado amigo... a gente tava precisando disso!

-Imagina senhor. Fiz só a minha obrigação.

-Você foi um verdadeiro herói. Precisa ter coragem pra fazer o que fez!

-Obrigado.

Meu ponto finalmente tinha chegado. Ao desembarcar, ainda ouvi mais dois agradecimentos de umas senhoras que também tinham visto o que tinha feito. Estava feliz. Finalmente me senti como um herói, um daqueles bem insignificantes, mas um herói.

Portanto, cuidado opressores. Quando menos esperarem eu posso estar lhes observando, calculando a hora exata para lhe passar um rodo. A justiça, a paz, e as unhas encravadas alheias jamais serão atormentadas novamente por pés infantis inquietos. Eu prometo.

Até qualquer dia, nessa mesma “bat hora”, nesse mesmo bat blog cretino.

quinta-feira, 8 de março de 2007

O homem do cachimbo

Sabe aquele tipo de pessoa que você acha que só existe na ficção? Não? Sabe sim, pense um pouco. Toda pessoa que já pegou um livro se deparou com um determinado personagem que para ela simplesmente não existe. Seja uma raínha de silhueta fina, inteligente, de humor e gestos refinados ou um monstro marciano comedor de cérebros humanos, sempre tem alguém que a gente pára e pensa: "hahaha... de onde foi que o cara tirou isso?". Não importa o que aconteça, não importa o que te digam, você tem a absoluta certeza de que aquílo não foi nada além de um devaneio exagerado do autor.
Pois é. Eu era um dos caras que pensava assim. Pensava. Comprovei que estava errado.
Podem me chamar de desocupado, mas sou daqueles caras que quando está no ônibus, não faz nada além de observar a paisagem. Tem gente que lê, ouve música, conversa, ou dorme. Eu não. Apenas fico olhando para fora sem muito interesse, torcendo para que algo inusitado desperte minha atenção.
E lá estava eu, sentado, pensando no velório da cabrita, quando me deparo com uma cena que me deixou boquiaberto: um homem, no faixa de uns 50 anos, fumando cachimbo. No meio da rua. Andando e fumando cachimbo. Aquílo era demais. Sempre achei que tal pessoa não existisse. Quantos foram os livros em que me deparei com a descrição de "um homem grisalho, que caminhava pela rua vestindo um grande jaleco preto e usando um chapéu que escondia seu rosto enquanto fumava em um velho cachimbo de detetive". E agora, sem mais nem menos, aquele "personagem" estava ali, na minha frente, sem o jaleco nem o chapéu, mas dando baforadas vigorosas naquele "negócio feito para fumar". Que emoção.
Depois de enxergá-lo pela primeira vez, encontrá-lo virou quase uma rotina: percebi que ele era um freqüentador assíduo da região em que o avistei pela primeira vez. Quase todo dia lhe encontro mais ou menos no mesmo lugar, segurando uma bolsa preta, carregando um casaco, e fumando seu cachimbo. Um dia ainda ei de ter coragem de descer um ponto antes só pra apertar a mão desse cara...

-Olá, bom dia!
O homem pára meio desconfiado, enquanto me olha de cima para baixo temendo que eu lhe assalte, ou pior: que lhe ofereça um cartão de crédito de uma loja de roupas. Fica tenso. Depois de um tempo, dá mais uma baforada suave no cachimbo, e o segura com uma das mãos.
-Oi!
-Muito prazer! - Estendo a minha mão vigorosamente. Depois de pensar durante alguns instantes, meio sem jeito, o senhor retribui o gesto e aperta a minha mão.
-O prazer é meu!
Ele me encara, perdido diante daquela situação inusitada e até certo ponto constrangedora, enquanto eu lhe observo radiante, como se estivesse olhando para um artefato de museu com vida.
-Posso ajudá-lo?
-Não, não... Só queria te cumprimentar!
-Cumprimentar? Porque?
-Por nada. Pelo cachimbo na verdade!
"Ele deve ser louco" pensa ele enquanto exibo meu sorriso de satisfação.
-Olha. Já estou meio atrasado para o trabalho. Foi um grande prazer conhecê-lo!
-O prazer foi meu!
Apertamos às mãos novamente. Depois pego meu rumo e vou embora, feliz por ter conversado com o homem que fuma cachimbo e anda pela rua. Ele por sua vez fica parado, atônito, tentado entender o que tinha acabado de acontecer. "Devem ser as drogas", pensa ele.

Já pensaram na hipótese? pois é... Um dia eu ainda faço isso!

sábado, 3 de março de 2007

Educação

Uma grande novidade está prestes a surgir no cenário da (in)segurança pública nacional. Acreditem no que digo. Os nossos conceitos sofrerão uma brusca revolução. E olha que eu não estou me referindo a criação de uma polícia integrada, inteligente, bem paga e bem treinada que possa combater o crime de forma eficiente. Também não me refiro ao surgimento de uma justiça mais eficaz, mais justa, que trabalhe no cumprimento da lei exortando aquele que é o maior incentivo da criminalidade: a impunidade. E não, eu não vou falar de novos investimentos maciços na área de educação, medida que certamente faria do Brasil não só um país mais próspero, mas mais seguro também. Irei falar sim, do surgimento de uma nova classe que está conquistando a simpatia da população: os bandidos bem educados.

Estava lendo o jornal, todo faceiro, quando me deparo com o relato da esposa do ministro da fazenda Guivo Mantega. Depois de passar algum tempo na mão de seqüestradores que tinham invadido sua casa, a senhora parecia não estar lá muito amedrontada com a situação. Segundo ela, os rapazes que tinham cometido o crime eram simpáticos. Isso mesmo: nada de ameaças brutais ou gestos que servissem para amedrontar as vítimas. Tudo foi feito na base da gentilieza. Prova da eficácia da tática era que a mulher do ministro parecia não estar nem aí para o que tinha acontecido. Ao contrário. Juro que senti uma certa simpatia dela com os meliantes. Deve ser exagero meu (ou maldade), mas já pensou se a moda pega?

Dona Amélia caminhava sozinha pela calçada, meio distraída. De repente percebeu a aproximação de um rapaz simpático, bem vestido, de excelente aparência. Esse por sua vez foi chegando cada vez mais perto, até parar em frente a dona e lhe indagar sorridente:

-Olá! Boa noite senhora, tudo bem?

-Oi!

-Desculpe estar lhe incomodando, ouviu?

-Imagina. Não está incomodando!

-Ótimo! Achei que a senhora poderia se zangar comigo, afinal já é tarde. Pois bem: isso é um assalto!

O homem continuava sorridente, só que dessa vez tinha em punho uma grande pistola apontada para a cabeça da dona Amélia. A velha entrou em pânico. Pensou um pouco e chegou a acreditar na hipótese de que tudo não passava de uma brincadeira de mau gosto. Afinal de contas, o rapaz não tinha cara de bandido. Não que bandido tenha uma aparência pré-definida, mas ele fugia de todo e qualquer estereotipo de que ela já tinha ouvido falar em relação ao assunto. Nem mal encarado ele era, ao contrário: chegava a ser elegante.

-Isso é brincadeira, né?

-Quem dera senhora. Não é não! Eu realmente estou lhe assaltando! Espero não ter sido muito amedrontador. Não pretendia lhe assustar!

-Bem... Você há de convir comigo que apontar uma arma para a minha cabeça não é a forma mais adequada pra me deixar tranqüila!

-Eu lhe entendo perfeitamente e peço perdão por esse ato insensível da minha parte! Mas faz parte do assalto, entende? Se eu não tivesse a arma em punho, certamente a senhora, uma mulher bonita e sofisticada, não me daria ouvidos!

-Bem... É... Isso é meio assustador, mas lhe garanto que não vou reagir!

-Ótimo! Posso ver que é tão inteligente quanto é elegante! Fique calma que não serei indelicado a ponto de atirar na sua cabeça. Isso não passa de uma forma de coesão.

-Entendo. E devo dizer que é estranho, mas confio em você! Sinto que não corro riscos!

-Basta colaborar comigo! Se não for incomodar muito, é claro.

-Sim, eu faço o que o senhor me pedir!

-Por favor, continue me chamando de “você”!

-Ah tá! A propósito: como é que você se chama?

-Meu nome é Alberto, muito prazer!

O rapaz chegou a abaixar a arma para apertar a mão de sua vítima. Não contente, ainda deu um beijo em seu rosto como forma de demonstrar respeito. Dona Amélia já se sentia segura. Estava até gostando da situação. Não era todo dia que encontrava um homem bonito e agradável como ele. Ele podia estar lhe assaltando, é verdade, mas era um encanto de pessoa. Resolveu até colaborar.

-Olha seu Alberto: tá aqui todo o dinheiro que eu estou trazendo comigo. Não é muito, sabe como é que é, né? A situação anda difícil pra gente. Além do mais eu não costumo trazer grandes quantias comigo.

-Eu entendo. Realmente a insegurança hoje em dia chega a ser alarmante. A senhora faz muito bem em não trazer muito dinheiro consigo!

-Mas peraí! Se tivesse trazido mais, você teria tido um lucro maior com o assalto!

-É verdade. Mas já me dou por satisfeito com isso, sabe? Além do mais a senhora é tão agradável que ficaria ainda mais constrangido do que estou agora se lhe tivesse tirado mais dinheiro.

-Você é uma simpatia de bandido, sabia?

-Poxa vida! Assim eu chego a ficar constrangido!

-Imagina. Não fique!!

-Eu fico sim. A senhora foi com toda a certeza a melhor vítima que tive hoje!

-Ahhh... Você diz isso pra todas!

-De jeito nenhum. Só para quem merece!

-Muito obrigado, ouviu? Fico lisonjeada!

O clima entre os dois era tão bom que a dona Amélia não se conteve:

-Quer saber? Vou te dar os meus brincos! Eles não são grande coisa mas devem ter algum valor se você penhorá-los!

-Nossa! por favor, não precisa! Eu já tenho seu dinheiro e...

-Não! Eu insisto! Toma meus brincos... e aqui estão os meus cartões de credito!

-Não precisa...

-Precisa sim! Tá tudo aí! A propósito: você tem um papel e uma caneta pra eu anotar a senha?

-Poxa vida... Infelizmente não!

-Pois é, eu também... faz o seguinte: leva o meu celular! Quando for usar o cartão, liga lá pra casa que eu te dou a senha. O número está na agenda do telefone!

-Isso não seria incômodo demais?

-Imagina. Incômodo algum! Será um prazer!

-Que bom. Muito obrigado. Foi um prazer assaltar a senhora!

-Foi recíproco. Também adorei sua companhia!

-Posso te dar um abraço?

-Deve!

Ambos se abraçaram longamente. Antes de irem embora ainda combinaram um novo encontro no futuro. Tinham que por o papo em dia. Dona Amélia prometeu que dá próxima vez levaria mais dinheiro, para alegria do assaltante que retribuiu com mais um abraço. Coisa bonita de se ver.

Ao chegar em casa, dona Amélia encontrou o filho na sala, deitado no sofá, se entupindo de bolachas e refrigerante. Revoltada, protestou contra a displicência do garoto:

-Não tem vergonha não, Valtinho? Vê se isso lá é idade de ficar em casa comendo e dormindo!

O garoto resmungou meia dúzia de palavras ofensivas e sem sentido. A mãe pensou:

-Quem dera o Valtinho fosse como o assaltante... Quem dera!

Balanço 2

E finalmente cheguei a mais de um mês de blog. Parece exagero, mas duvidava da hipótese. Achava (como disse em meu primeiro texto) que a empolgação logo terminaria e eu seria consumido por uma preguiça descomunal. Me enganei. Nestes dias descobri como pode ser gostoso escrever coisas cretinas, e como pode ser mais gostoso ainda saber que existem pessoas que lêem isso e acham legal.

Sempre disse que o blog seria uma terapia. Uma forma eficiente de tornar minhas horas vagas mais lucrativas. O que eu sinceramente não esperava era que iria me empolgar tanto. Já perdi a conta das vezes em que me vi distraído bolando alguma baboseira, alguma história qualquer, ou lendo algo interessante e pensando: “Poxa... isso daria uma ótima postagem!”.

O mais gratificante dessa brincadeira, sem dúvidas, é o carinho dos amigos que visitam esse espaço. Amigos não, fãs fervorosos. Refis as contas com a ajuda de um programinha indicado por uma “amiga” minha. O software indica quantas pessoas acessaram ao blog. Fiquei surpreso. Em apenas um dia de funcionamento, o tal programa registrou nada mais do que 15 visitas. Muito mais do que eu sequer pensava conseguir em todo o tempo de funcionamento deste “sitio”.

Na verdade, conversando com amigos, já previa que tinha tido uns 30 visitantes desde a estréia do espaço. Tirei a prova. Só contei com aquelas pessoas que citaram algum trecho do que estava escrito, ou que riram da minha cara em função de alguma merda que eu possivelmente tenha escrito. Isso fora, é claro, os recados que alguns corajosos deixaram no fim das postagens. Descobri que meu público é parecido comigo: corajoso a ponto de passar quase todo dia pra fazer uma visita, e tímido o bastante para preferir não deixar um comentário. Normal. No entanto, sempre tem alguém que deixa sua marca, o que, admito, faz um bem danado pro ego da gente. Até mesmo um “anônimo” mandou um comentário simpático me aconselhando a investir mais em um estilo de texto. Adorei a sugestão. O que me assusta é que o tal “anônimo” pelo visto conhece meu passado negro, já que me chamou de crânio (meu antigo apelido de colégio).

Levando-se em conta tudo isso, devo dizer que realmente sou um fenômeno. Um exemplo vivo de talento, carisma, humor refinado, inteligência e, acima de tudo, humildade.

Nenhuma editora me procurou ainda. Devem estar receosos pela quantia que vou pedir para assinar o contrato de trabalho. A Academia Brasileira de Letras também não entrou em contato comigo até agora. Um desprestígio ciumento e vergonhoso a um jovem talento da literatura como eu.

E que fique claro: não pretendo me comparar a Shakespeare, por exemplo. Sou bem mais magro, e possuo muito mais cabelo que esse senhor. Qualquer comparação seria infundada.

Piadinhas cretinas a parte, respondo aos meus amigos que tem me atormentado a paciência diariamente perguntando quando vou fazer a próxima atualização, que a situação está complicada. A faculdade e o trabalho tem ocupado um tempo precioso da minha vida. Toda brechinha que encontrar na agenda certamente será usada para por esse negócio em dia. Portanto, preparem-se para semanas (meses talvez) de vacas magras. Eu sei que é quase impossível suportar a ausência de minha refinada literatura, mas peço que façam um esforço.

È isso. Abraços efusivos a toda a trupe de amigos que me brindam com sua presença.

Passar bem.