quinta-feira, 8 de março de 2007

O homem do cachimbo

Sabe aquele tipo de pessoa que você acha que só existe na ficção? Não? Sabe sim, pense um pouco. Toda pessoa que já pegou um livro se deparou com um determinado personagem que para ela simplesmente não existe. Seja uma raínha de silhueta fina, inteligente, de humor e gestos refinados ou um monstro marciano comedor de cérebros humanos, sempre tem alguém que a gente pára e pensa: "hahaha... de onde foi que o cara tirou isso?". Não importa o que aconteça, não importa o que te digam, você tem a absoluta certeza de que aquílo não foi nada além de um devaneio exagerado do autor.
Pois é. Eu era um dos caras que pensava assim. Pensava. Comprovei que estava errado.
Podem me chamar de desocupado, mas sou daqueles caras que quando está no ônibus, não faz nada além de observar a paisagem. Tem gente que lê, ouve música, conversa, ou dorme. Eu não. Apenas fico olhando para fora sem muito interesse, torcendo para que algo inusitado desperte minha atenção.
E lá estava eu, sentado, pensando no velório da cabrita, quando me deparo com uma cena que me deixou boquiaberto: um homem, no faixa de uns 50 anos, fumando cachimbo. No meio da rua. Andando e fumando cachimbo. Aquílo era demais. Sempre achei que tal pessoa não existisse. Quantos foram os livros em que me deparei com a descrição de "um homem grisalho, que caminhava pela rua vestindo um grande jaleco preto e usando um chapéu que escondia seu rosto enquanto fumava em um velho cachimbo de detetive". E agora, sem mais nem menos, aquele "personagem" estava ali, na minha frente, sem o jaleco nem o chapéu, mas dando baforadas vigorosas naquele "negócio feito para fumar". Que emoção.
Depois de enxergá-lo pela primeira vez, encontrá-lo virou quase uma rotina: percebi que ele era um freqüentador assíduo da região em que o avistei pela primeira vez. Quase todo dia lhe encontro mais ou menos no mesmo lugar, segurando uma bolsa preta, carregando um casaco, e fumando seu cachimbo. Um dia ainda ei de ter coragem de descer um ponto antes só pra apertar a mão desse cara...

-Olá, bom dia!
O homem pára meio desconfiado, enquanto me olha de cima para baixo temendo que eu lhe assalte, ou pior: que lhe ofereça um cartão de crédito de uma loja de roupas. Fica tenso. Depois de um tempo, dá mais uma baforada suave no cachimbo, e o segura com uma das mãos.
-Oi!
-Muito prazer! - Estendo a minha mão vigorosamente. Depois de pensar durante alguns instantes, meio sem jeito, o senhor retribui o gesto e aperta a minha mão.
-O prazer é meu!
Ele me encara, perdido diante daquela situação inusitada e até certo ponto constrangedora, enquanto eu lhe observo radiante, como se estivesse olhando para um artefato de museu com vida.
-Posso ajudá-lo?
-Não, não... Só queria te cumprimentar!
-Cumprimentar? Porque?
-Por nada. Pelo cachimbo na verdade!
"Ele deve ser louco" pensa ele enquanto exibo meu sorriso de satisfação.
-Olha. Já estou meio atrasado para o trabalho. Foi um grande prazer conhecê-lo!
-O prazer foi meu!
Apertamos às mãos novamente. Depois pego meu rumo e vou embora, feliz por ter conversado com o homem que fuma cachimbo e anda pela rua. Ele por sua vez fica parado, atônito, tentado entender o que tinha acabado de acontecer. "Devem ser as drogas", pensa ele.

Já pensaram na hipótese? pois é... Um dia eu ainda faço isso!