sábado, 3 de março de 2007

Educação

Uma grande novidade está prestes a surgir no cenário da (in)segurança pública nacional. Acreditem no que digo. Os nossos conceitos sofrerão uma brusca revolução. E olha que eu não estou me referindo a criação de uma polícia integrada, inteligente, bem paga e bem treinada que possa combater o crime de forma eficiente. Também não me refiro ao surgimento de uma justiça mais eficaz, mais justa, que trabalhe no cumprimento da lei exortando aquele que é o maior incentivo da criminalidade: a impunidade. E não, eu não vou falar de novos investimentos maciços na área de educação, medida que certamente faria do Brasil não só um país mais próspero, mas mais seguro também. Irei falar sim, do surgimento de uma nova classe que está conquistando a simpatia da população: os bandidos bem educados.

Estava lendo o jornal, todo faceiro, quando me deparo com o relato da esposa do ministro da fazenda Guivo Mantega. Depois de passar algum tempo na mão de seqüestradores que tinham invadido sua casa, a senhora parecia não estar lá muito amedrontada com a situação. Segundo ela, os rapazes que tinham cometido o crime eram simpáticos. Isso mesmo: nada de ameaças brutais ou gestos que servissem para amedrontar as vítimas. Tudo foi feito na base da gentilieza. Prova da eficácia da tática era que a mulher do ministro parecia não estar nem aí para o que tinha acontecido. Ao contrário. Juro que senti uma certa simpatia dela com os meliantes. Deve ser exagero meu (ou maldade), mas já pensou se a moda pega?

Dona Amélia caminhava sozinha pela calçada, meio distraída. De repente percebeu a aproximação de um rapaz simpático, bem vestido, de excelente aparência. Esse por sua vez foi chegando cada vez mais perto, até parar em frente a dona e lhe indagar sorridente:

-Olá! Boa noite senhora, tudo bem?

-Oi!

-Desculpe estar lhe incomodando, ouviu?

-Imagina. Não está incomodando!

-Ótimo! Achei que a senhora poderia se zangar comigo, afinal já é tarde. Pois bem: isso é um assalto!

O homem continuava sorridente, só que dessa vez tinha em punho uma grande pistola apontada para a cabeça da dona Amélia. A velha entrou em pânico. Pensou um pouco e chegou a acreditar na hipótese de que tudo não passava de uma brincadeira de mau gosto. Afinal de contas, o rapaz não tinha cara de bandido. Não que bandido tenha uma aparência pré-definida, mas ele fugia de todo e qualquer estereotipo de que ela já tinha ouvido falar em relação ao assunto. Nem mal encarado ele era, ao contrário: chegava a ser elegante.

-Isso é brincadeira, né?

-Quem dera senhora. Não é não! Eu realmente estou lhe assaltando! Espero não ter sido muito amedrontador. Não pretendia lhe assustar!

-Bem... Você há de convir comigo que apontar uma arma para a minha cabeça não é a forma mais adequada pra me deixar tranqüila!

-Eu lhe entendo perfeitamente e peço perdão por esse ato insensível da minha parte! Mas faz parte do assalto, entende? Se eu não tivesse a arma em punho, certamente a senhora, uma mulher bonita e sofisticada, não me daria ouvidos!

-Bem... É... Isso é meio assustador, mas lhe garanto que não vou reagir!

-Ótimo! Posso ver que é tão inteligente quanto é elegante! Fique calma que não serei indelicado a ponto de atirar na sua cabeça. Isso não passa de uma forma de coesão.

-Entendo. E devo dizer que é estranho, mas confio em você! Sinto que não corro riscos!

-Basta colaborar comigo! Se não for incomodar muito, é claro.

-Sim, eu faço o que o senhor me pedir!

-Por favor, continue me chamando de “você”!

-Ah tá! A propósito: como é que você se chama?

-Meu nome é Alberto, muito prazer!

O rapaz chegou a abaixar a arma para apertar a mão de sua vítima. Não contente, ainda deu um beijo em seu rosto como forma de demonstrar respeito. Dona Amélia já se sentia segura. Estava até gostando da situação. Não era todo dia que encontrava um homem bonito e agradável como ele. Ele podia estar lhe assaltando, é verdade, mas era um encanto de pessoa. Resolveu até colaborar.

-Olha seu Alberto: tá aqui todo o dinheiro que eu estou trazendo comigo. Não é muito, sabe como é que é, né? A situação anda difícil pra gente. Além do mais eu não costumo trazer grandes quantias comigo.

-Eu entendo. Realmente a insegurança hoje em dia chega a ser alarmante. A senhora faz muito bem em não trazer muito dinheiro consigo!

-Mas peraí! Se tivesse trazido mais, você teria tido um lucro maior com o assalto!

-É verdade. Mas já me dou por satisfeito com isso, sabe? Além do mais a senhora é tão agradável que ficaria ainda mais constrangido do que estou agora se lhe tivesse tirado mais dinheiro.

-Você é uma simpatia de bandido, sabia?

-Poxa vida! Assim eu chego a ficar constrangido!

-Imagina. Não fique!!

-Eu fico sim. A senhora foi com toda a certeza a melhor vítima que tive hoje!

-Ahhh... Você diz isso pra todas!

-De jeito nenhum. Só para quem merece!

-Muito obrigado, ouviu? Fico lisonjeada!

O clima entre os dois era tão bom que a dona Amélia não se conteve:

-Quer saber? Vou te dar os meus brincos! Eles não são grande coisa mas devem ter algum valor se você penhorá-los!

-Nossa! por favor, não precisa! Eu já tenho seu dinheiro e...

-Não! Eu insisto! Toma meus brincos... e aqui estão os meus cartões de credito!

-Não precisa...

-Precisa sim! Tá tudo aí! A propósito: você tem um papel e uma caneta pra eu anotar a senha?

-Poxa vida... Infelizmente não!

-Pois é, eu também... faz o seguinte: leva o meu celular! Quando for usar o cartão, liga lá pra casa que eu te dou a senha. O número está na agenda do telefone!

-Isso não seria incômodo demais?

-Imagina. Incômodo algum! Será um prazer!

-Que bom. Muito obrigado. Foi um prazer assaltar a senhora!

-Foi recíproco. Também adorei sua companhia!

-Posso te dar um abraço?

-Deve!

Ambos se abraçaram longamente. Antes de irem embora ainda combinaram um novo encontro no futuro. Tinham que por o papo em dia. Dona Amélia prometeu que dá próxima vez levaria mais dinheiro, para alegria do assaltante que retribuiu com mais um abraço. Coisa bonita de se ver.

Ao chegar em casa, dona Amélia encontrou o filho na sala, deitado no sofá, se entupindo de bolachas e refrigerante. Revoltada, protestou contra a displicência do garoto:

-Não tem vergonha não, Valtinho? Vê se isso lá é idade de ficar em casa comendo e dormindo!

O garoto resmungou meia dúzia de palavras ofensivas e sem sentido. A mãe pensou:

-Quem dera o Valtinho fosse como o assaltante... Quem dera!