domingo, 13 de abril de 2008

Nomes

Certo dia alguém olhou para sua cara, na época diminuta, e concluiu que você, aquele joelho com olhos, se chamaria...

Sim, o nome é uma das muitas coisas da vida que nós simplesmente não podemos escolher. Pelo menos não, sem um bom advogado. De fato, se houvesse justiça, jamais teríamos nossas alcunhas escolhidas por nossos pais. Eles nos chamariam por codinomes como “Filho Número 1”, “Fulaninho”, “Coisinha”, ou, em último caso, o já tradicional “Ei, você!”, até que tivéssemos discernimento e sabedoria suficientes para que pudéssemos escolher nossas próprias denominações. Ou seja: lá pelos 50 anos de idade.

Que fique claro: não digo isso por insatisfação própria. Sou um feliz proprietário de um nome composto: José Luiz , vulgo Zé. Não poderia existir melhor alcunha para me definir. Afinal de contas, apesar de eu ser fisicamente parecido com o rapaz, acho que “Brad Pitt” não tem muito a ver com o meu estilo.

Mas volto a minha defesa original: existem nomes que simplesmente não deveriam existir. Não sem o consentimento do dono, o pobre infeliz que tem que sofrer com a conseqüência da mente inventiva dos pais. Sim, eu disse sofrer.

Acreditem ou não (se eu fosse vocês, não acreditaria), existem estudiosos ao redor do mundo que analisam o papel social e a influência psicossomática que um determinado nome tem sobre seu dono. Para facilitar o entendimento do grau de influência de cada tipo de estirpe, estes cientistas criaram categorias específicas, as quais tentarei exemplificar adiante.

Vou apresentar apenas alguns dos gêneros existentes. A variedade é infinita, não teria como esmiuçar tudo. Mesmo assim, dá pra ter uma idéia das principais.

Para começar, vamos tratar daquele que é considerado o caso mais típico de todos: o nome feio, ou, na denominação cientifica, a “nomenclatura exótica”.

***

A Joana estava em polvorosa com a novidade. Para conta-la, reuniu as duas facções da família (a dela e a do recém adquirido marido) e declarou:

-Estou grávida!

A emoção foi enorme. A família inteira entrou em festa com a notícia. O Célio, marido da Joana, chorava copiosamente de felicidade em função da novidade recém contata pela esposa. O novo rebento estava à caminho.

Depois que os ânimos já estavam mais controlados, uma pergunta foi inevitável:

-E qual o nome que vocês pretendem dar à criança?

-Se for menina, vai ser Marina!

Todos suspiraram. Era uma bela escolha, um lindo nome.

-Adorei! – Disse a vó.

-Pois é... E se for Menino será Nabucodonosor!

Silêncio. Boa parte dos presentes ficou sem reação diante da revelação. Um tio da Joana chegou a gargalhar, achando que tratava-se de uma piada.

-Hahahaha... Essa minha sobrinha é uma piadista!

Mas não era gozação. A Joana estava falando sério, e parecia ter o consentimento do marido. O resto da família, escandalizada, tentou intervir... Com jeitinho:

-Ahhhh... Bacana! Mas, assim, só para garantir, você não acha que esse vai ser um nome meio... Como é que eu posso dizer? Meio exótico demais para uma criança?

A Joana pensou um pouco.

-Não... Acho que não!

-Mas Joaninha, pense bem: como é que você acha que os coleguinhas vão chama-lo no colégio? Nabuconodosor é um nome meio difícil pra uma criança pronunciar. Eu mesma estou me enrolando!

-Imagina tia! Já pensei em tudo. Eles vão chama-lo de “Nabu”! Vai ser o apelido dele!

O vô, que até então observava a tudo sem se manifestar protestou pela primeira vez:

-Ótimo! Meu neto agora vai ter apelido de raiz comestível!

-Vai ser “Nabu”, não “Nabo”!

-E você acha que alguém vai notar a diferença? Vocês não vão botar esse nome na criança de jeito nenhum!

-Mas vô: é um nome bíblico!

-Pedro, José e João também são... É só mudar!

A Joana protestou:

-O filho é meu, sendo assim, ponho o nome que eu quiser!

Guerra na família. Protestos por todos os lados. No fim da briga chegou-se a conclusão de que ninguém iria interferir na escolha dos pais, desde que eles tivessem o bom senso de tornar o nome composto, acrescentando mais uma alcunha para popularizar mais o nome do menino. Algo como “João Nabuconodosor” ou “Júlio Nabuconodosor”.

Mesmo assim, depois daquele dia, a torcida geral foi pelo nascimento de uma menina.

***

Outra categoria são a dos pais que resolveram homenagear seus ídolos.

***

O rapaz chega na portaria de um prédio qualquer. Vai visitar alguém no 3º andar. O porteiro pede para ele preencher uma ficha.

-Preciso do seu nome, por favor.

-Martin Luther King de Almeida!

-Hahahahaha... Muito bom! O Senhor é um cara bem humorado, né? Deu pra perceber...

-Acho que sim! Hehehe

-Pois é! Gosto de gente assim, gente que costuma fazer piada.

-Ah... Legal! Eu também!

-Bacana... Mas falando sério agora: qual seu nome?

-Martin Luther King de Almeida.

O porteiro, repentinamente, fica sem ação.

-Você estava falando sério? Esse é o seu nome?

-Sim!

-Pelo amor de Deus, me desculpe! Achei que...

-Não, imagina! Não precisa se desculpar! Acontece o tempo todo. Eu não ligo. Até acho engraçado, sabe? Meu pai é muito fã daquele período histórico. Resolveu homenagear o Martin no nome do filho.

-Entendo!

-No fim das contas não deixa de ser um orgulho ter o nome dele, né? Foi um grande homem!

-Poxa vida! Mesmo assim, me perdôe...

-O que é isso! Tá perdoado.

-Que bom, que bom. Mas, assine aqui, por favor!

-Ok!

-Ótimo! Pode ir...

-Muito obrigado senhor... Senhor...

-Pode me chamar de você! Me chamo Tonico... Tonico Tinoco da Silva!

-Ah... Muito prazer!

-O prazer é meu senhor Martin!

-Seu pai gostava de música sertaneja?

-Como é que você adivinhou?

***

Outra categoria é a dos nomes constrangedores... Nem tanto para o dono, mas principalmente para quem é obrigado a pronunciá-lo.

***

O chefe do Luiz chama-se André. André Paixão. Como já existiam outras dúzias de André’s na empresa, habituaram-se a chama-lo de Paixão.

Pegava mal, todo mundo sabia. Mas com o tempo ficaram tão acostumados que passaram a ignorar o duplo sentido intrínseco existente.

Mesmo assim, o Luiz não contava com o mal entendido:

-Alô? ... Fala Paixão! ... Ah, ok! Pode deixar que eu passo lá! ... Meu carro tá na oficina, mas eu pego o da minha esposa! ... Ok, paixão! ... Deixa comigo paixão! ... Até daqui a pouco! Tchau!

Maria, a esposa do Luiz, que ouvia a tudo num cantinho escondida, interpretou errado o conteúdo da ligação.

-Seu pilantra!

-Oi amo...

-Amor o cacete, desgraçado! Pensa que eu não ouvi você conversando com uma vadia no telefone?!

-Não é nada disso que você está pensando...

-Pensa que eu sou burra? E o pior é que você estava chamando ela de “paixão”! Como é que você teve coragem? E ia levar a piranha pra passear no meu carro!

-Você está enganada!

-Eu não sou burra, Luiz! Burro é você que achou que ia me enganar por muito tempo!

O Luiz tentou se explicar:

-Escuta amor... Você não está entendendo! O Paixão é homem!

Depois disso a Maria, que quase desmaiou com a revelação, pegou as malas e saiu de casa antes que o Luiz conseguisse desfazer o equívoco.

O assunto foi esclarecido, mas a história acabou se espalhando, inclusive dentro da empresa. Antes de conhecer todos os detalhes, o Paixão, chefe do Luiz, chegou a dar uma bronca:

-Porra Luiz! Como é que você apronta uma dessa com sua mulher? Aqui a gente valoriza a família!

***

E, para terminar com esta analise científica semi-pormenorizada da influência social das alcunhas pessoais na vida dos seres humanos, abordaremos uma das categorias mais interessantes: os nomes perigosos. Sim, perigosos. Aquele cujos portadores correm riscos apenas por pronunciá-los.

Esse é o caso do Abuda.

***

O Abuda voltava para casa, altas horas da noite, quando percebeu uma confusão próxima dali. Ouviu discussão, xingamentos, e logo viu uma correria. Não demorou muito e uma viatura policial chegou ao local.

Os policiais foram informados que um baderneiro puxou briga com alguns transeuntes, agrediu um deles, e logo depois tentou fugir. A descrição era de um rapaz jovem, com cerca de 25 anos, alto, cabelos negros trajando uma camisa branca e uma calça verde. Por ironia do destino, essa descrição batia exatamente com a do Abuda, que não tinha nada a ver com a história, mesmo passando ali por perto.

Vendo que a descrição do suspeito era exatamente igual com a do rapaz que perambulava pela rua, o policial não teve dúvidas: desceu correndo da viatura e mandou o rapaz levar as mãos à cabeça.

-Ei, você! Mão na cabeça, mão na cabeça!

O pobre Abuda, assustado, atendeu prontamente a ordem.

-Ok, ok. Vamos com calma.

-Calma o cacete vagabundo, calma o cacete!

-Desculpe... Foi mal!

-Cale a boca! Só fala quando eu mandar!

Nessas alturas o pobre rapaz já estava apavorado. Sabia que não tinha feito nada de errado, mas era óbvio que tinha sido confundido com alguém. O policial estava sendo truculento demais se não tivesse algum motivo específico que o levasse a crer que ele tinha feito alguma coisa errada.

-Qual que é o teu nome?

-O quê?

-Teu nome!

-Nome? Abuda! Abuda senhor!

-Como é que é? Minha bunda? Tá me xingando vagabundo?

-Não! Meu nome é Abu...

-Tu tá preso engraçadinho!

-Mas eu...

-Cale a sua boca suja ou vai tomar bordoada.

Na delegacia, o Abuda foi indiciado e preso. A acusação: desacato a autoridade. Segundo o relato do policial ele teria dito palavras obscenas ao ser questionado sobre seu nome.

No fim das contas, tudo acabou bem. A situação foi esclarecida depois da chegada dos advogados.

Mesmo assim, o Abuda estava inconformado:

-Puta que pariu! Meu nome ainda me mata!